“Hibisco roxo”

Por Raquel de Jesus Pereira Figueiredo

Releituras na Quarentena

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Existem livros que compramos e são feitos para causar sensações momentâneas que esquecemos com a próxima leitura. E existem livros como “Hibisco Roxo”, com sua multitude de sinestesias, além da história envolvente que nos faz sentir completamente dentro da narrativa. Esta, que toma conta dos pensamentos do leitor a ponto da releitura ser uma
necessidade dentro de poucos meses.

Porém, pontuando o necessário para iniciar a leitura: é um livro com carga emocional pesada. Ele fala sobre colonialismo, religião, violências físicas e mentais, repressão ideológica, problemas familiares e pobreza, a partir de um olhar decolonial.

Todos esses pontos levantados pela magistral Chimamanda Adichie, nos levam a reflexões necessárias sobre a vida na Nigéria. O ponto de vista da história, da jovem Kambili rememorando os acontecimentos de anos anteriores da sua vida, não permite que descansemos por mais do que duas páginas. Conhecemos quem é Kambili e sua família no decorrer das páginas, assim como conhecemos a Nigéria por um ponto de vista inequívoco, real.

A descrição dos cincos sentidos, bem trabalhada pela autora através de todo o livro, nos imerge de uma maneira que pouquíssimos livros conseguem no mundo dos personagens. É possível ouvir o barulho do vento do harmattan, observar o desabrochar dos hibiscos roxos junto de Kambili, sentir o paladar do chá que ela divide com seu Papa, tatear as tranças e sentir os cheiros dos pratos nigerianos. Essas descrições também permitem ao leitor
“descansar” antes da próxima cena, colocando os sentidos para imaginar além da narrativa principal e dos diálogos apresentados.

O igbo, língua falada na Nigéria pela população ibo, é apresentado de uma forma sutil em Hibisco Roxo. Mesmo sem traduções nos rodapés, é possível compreender o que estão falando, porque apenas algumas partes são mencionadas no idioma e a tradução já aparece ao lado. Esse primeiro contato com uma língua local também permite ao leitor se sentir ainda mais dentro do microcosmos de Kambili, além da sensação incrível de estar ouvindo algo novo como uma língua local pela primeira vez.

Outro ponto importante em Hibisco Roxo é a maneira como Chimamanda apresenta a Nigéria em todas as suas verdadeiras cores. Dos problemas de saúde à realidade de censura, perseguição política, a religião cristã como um dos tentáculos do poder colonial e outras questões extremamente relevantes. Todos esses tópicos são introduzidos pelo próprio envolvimento dos personagens com as instituições ou dia a dia de vivências no país. Além disso, mesmo na vida interna dos pensamentos de Kambili relembrando acontecimentos da sua vida, o leitor consegue se conectar em alguma medida com aquela realidade. Sua dor, seus desejos, a maneira silenciosa a qual ela observa outros diálogos.

No início, é fácil pensar que nada irá mudar. No final, percebemos o quanto a narrativa cresceu, o quanto Chimamanda conseguiu transformar aquela Kambili calada lentamente em um personagem mais presente, parte ativa dos acontecimentos. Mas o crescimento dos personagens também é o nosso. Porque não somente as descrições nos ambientam bem como os personagens são inadvertidamente reais. O que, como comentei anteriormente, nos faz
precisar voltar a eles de vez em quando, dar nossos cumprimentos, “Olá! Como você vai? Espero que esteja indo bem. Senti sua falta.”.

Com todos os fatores para se tornar um livro inesquecível, Hibisco Roxo merece reconhecimento pela composição da narrativa, pelo final surpreendente, mas especialmente pelo fato de ser direto ao ponto – em todos os tópicos abordados – de maneira que poucos conseguem com excelência. Não é dramático demais, nem exagerado demais. E cumpre seu papel a ponto de fazer pensar quando será definitivamente um clássico.

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