“A Estrutura da Bolha de Sabão”, Lygia Fagundes Telles

Por Vitor da Hora

Filhos Pródigos (reeditado posteriormente como A Estrutura da Bolha de Sabão) é uma antologia de contos publicada pela escritora Lygia Fagundes Telles em 1977. Lygia Fagundes Telles, nascida na capital paulista em 1918, é reconhecida como uma das mais célebres escritoras da literatura brasileira. Lygia faleceu recentemente, em abril de 2022, aos 103 anos de idade. A autora foi agraciada com os principais prêmios da literatura nacional – como o Prêmio do Instituto Nacional do Livro (1958), diversos Prêmios Jabuti e APCA – e teve sua obra reconhecida internacionalmente, ao ser condecorada com a Ordem das Artes e Letras do governo francês (1998) e ao receber o Prêmio Camões (2005), também foi indicada pela UBE em 2016 para pleitear uma indicação brasileira ao Prêmio Nobel de Literatura. Figura altamente politizada, foi uma das organizadoras e signatárias do Manifesto dos Intelectuais Contra a Censura, de 1977, em plena Ditadura Militar. Em 1985, Lygia ingressou como imortal em uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras. Entre suas principais publicações estão os romances Ciranda de Pedra (1955; que inspirou duas telenovelas da Rede Globo) e As Meninas (1973), além da antologia de contos Antes do Baile Verde (1970). 

Esta pequena coletânea conta com oito contos: A Medalha, A Testemunha, O Espartilho, A Fuga, A Confissão de Leontina, Missa do Galo, Gaby e A Estrutura da Bolha de Sabão. Ao lado de seus antecessores, Antes do Baile Verde e Seminário dos Ratos (1977), Filhos Pródigos integra a tríade dos livros de contos de Lygia Fagundes Telles publicados na década de 1970, período de intensa produção para a autora. Uma temática recorrente nos contos são conflitos familiares e geracionais – como evidenciado pelo título original do livro – presentes em A Medalha, O Espartilho e A Fuga: em O Espartilho, o objeto-título do conto é uma metáfora para uma sufocante relação entre avó e neta; já em A Medalha, uma mãe enxerga em sua filha o pai dela, por isso lhe desconta rancores, além de destilar racismo com o noivo negro da moça; Enquanto em A Fuga um homem que já passou da idade vive angustiado em continuar morando com os pais e dependendo financeiramente deles. Preconceitos são um tema central do livro, personificados pela avó antissemita e a mãe racista em O Espartilho e A Medalha, respectivamente, estando também presente em A Confissão de Leontina: conto sobre uma pobre mulher interiorana que passa a viver na cidade grande, deixando para trás um passado traumático, tendo de lutar para sobreviver – impossível ler e não se lembrar de A Hora da Estrela (1977) de Clarice Lispector, amiga pessoal e inspiração de Lygia – até se ver envolvida em um assassinato. Há também espaço para uma releitura de Machado de Assis em Missa do Galo (Variações sobre o Mesmo Tema), conto que divide o título de mais fraco do livro junto com A Testemunha. No penúltimo conto, Gaby, um pintor relembra seu passado e vive atormentado no preso, ao estar preso em um relacionamento que lhe insatisfaz, apenas por dinheiro. O livro termina com o conto que nomeia a reedição dele, sendo um dos maiores pontos de destaque da leitura, A Estrutura da Bolha de Sabão: que narra a história de uma mulher que encontra seu ex-marido – um físico que, entre outras coisas, estudou a estrutura da bolha de sabão – com a atual esposa em um restaurante, a protagonista fica morrendo de ciúmes até descobrir que seu antigo marido está adoentado e em seu leito de morte. 

Mesmo não tendo o prestígio e sucesso de um Antes do Baile Verde, Filhos Pródigos é uma das melhores demonstrações do talento de Lygia Fagundes Telles como contista. Ao longo do livro explora por meio dos conflitos familiares, presentes em quase todos os contos, as máscaras e papéis da sociedade burguesa – com exceção da sensibilíssima Confissão de Leontina, onde trabalha com a extrema pobreza. Após a recente morte da centenária autora, revisitar sua obra é constatar o quanto Lygia era uma mulher à frente de seu tempo e compreender seu lugar no pódio dos grandes escritores da literatura brasileira, permanecendo sempre atual.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *