Resenha por Luiza Tavares

FELIZ ANO NOVO

Releituras na Quarentena

O ano está chegando ao fim, por isso, não se esqueça de atropelar uma mulher na calada da noite, de escrever sob o pseudônimo de gênero oposto conselhos supérfluos sobre problemas alheios da classe baixa, de escolher uma pessoa farta para matar e comer-lhe as nádegas cruas no banquete natalino, de brigar com o vizinho,  e de assaltar uma mansão na Zona Sul para fechar com chave de ouro! Boatos dizem que o último traz dinheiro.

É com este humor negro que o livro Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca cai como uma boa opção para resenha de fim de ano. Para aqueles que já experimentaram o estilo do autor, esta obra irá reforçar o fascínio por sua narração direta, bruta e cheia de ação.

Rubem já foi um pouco de tudo, desde office boy à executivo da Light. Morreu aos 94 em abril desde ano (2020), porém sua presença continua próxima de nós por meio de suas obras, reflexos da sociedade.

O livro inicia com o caso de três homens da Baixada Fluminense que resolveram assaltar uma mansão da Zona Sul em uma festa de Réveillon. 

“Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no réveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque.

Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros.

Pereba entrou no banheiro e disse, que fedor.

Vai mijar noutro lugar, tô sem água.

Pereba saiu e foi mijar na escada.”

A princípio, é possível  sentir o realismo e as condições sociais nas falas, nas descrições e nas ações. Ao dar visibilidade na literatura a realidade de pessoas de classes baixas e a lugares menos valorizados, como Duque de Caxias, a narrativa estabelece uma incrível conexão com o leitor, especialmente, se o leitor também pertencer a Baixada Fluminense, pois acontece uma identificação com a obra, mesmo que a vida do leitor seja completamente diferente do personagem.

Quando se mostra o outro lado da vida cosmopolita, o autor consegue retratar o Rio de Janeiro fora do estereótipo romântico de Cidade Maravilhosa.

Os próximos capítulos podem ser uma quebra de expectativa para aqueles que se envolveram profundamente apenas no primeiro capítulo, porque ao invés de continuar com o primeiro conto, outras crônicas completamente diferentes surgem a seguir. Feliz Ano Novo é composto por 15 contos sobre crimes, violência e realidades obscuras que abisma uma pessoa comum.

A atmosfera noir, cinematográfica e urbana fisga o leitor de maneira que a leitura torna-se viciante. Além disso, trata-se de uma obra curta e acessível, com apenas 91 páginas, tendo cada capítulo 3  ou 4 páginas no máximo. Ele pode ser encontrado gratuitamente no Lê Livros.

O livro permanece atual devido às desigualdades sociais, a violência, e os antiheróis que existem nas metrópoles brasileiras. O fato de mostrar esse lado imperfeito que faz sua escrita ter um estilo incrível e envolvente.

Para o ano de 2020, o qual foi muito cruel – principalmente no Brasil – com suas mortes, injustiças, crimes hediondos e aumento da desigualdade, não podemos sorrir e ficarmos alegres como se nada ruim tivesse acontecido, mas continuar seguindo em frente do jeito que podemos. Por isso, Feliz Ano Novo combina tanto com este final de ano e é minha recomendação.

Se não dá para sorrir, pelo menos vamos fazer humor negro e criar novos contos marcantes e surpreendente a partir deste ano, como este livro.

“Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor.

Feliz Ano-novo.”

Exemplares na Biblioteca José de Alencar disponíveis em: B869.35 F676f

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