“Os Mortos”, James Joyce

Por Laura Castello Branco

“Os Mortos” de James Joyce é o último conto da coletânea Dublinenses, e por ser considerado um dos mais perfeitos da literatura ocidental, dá nome a essa obra. A mesma, trazendo também “Arábias”, e o monólogo de Molly Bloom em Ulysses, capta três diferentes formas de amor, entendidos e descritos pelo autor.

Iniciando a obra, temos “Os Mortos”, publicado originalmente em 1914. O conto se passa no natal. Gabriel Conroy visita as tias, professoras de música, com sua esposa para comemorar o feriado. Joyce acompanha o jovem escritor e explora suas relações familiares e afetivas. De caráter ansioso, Gabriel se preocupa com suas atitudes, as opiniões dos outros e seu grande discurso na hora da ceia, e teme ter falhado. A história, enquanto avança, muda seu foco narrativo para sua esposa, Gretta, resultando numa confissão da mesma no final do conto. 

A paixão do marido por Gretta, seu perpétuo nervosismo apaixonado mesclado com o conforto da intimidade é a primeira construção de amor feita por Joyce. Gabriel e sua personalidade hesitante se esforçam para não ofender, e não se equivocar, com a esposa, ao mesmo tempo em que veem nela uma companheira. Sua receptividade à revelação da  mulher, e a epifania que a segue apreendem esses dois sentimentos. “Lágrimas generosas encheram os olhos de Gabriel. Ele nunca sentira isso por nenhuma mulher, mas sabia que um sentimento assim tinha que ser amor.”  

Em seguida, o conto “Arábias” narra a história de um adolescente apaixonado pela irmã de um amigo, morador do mesmo bairro. O menino a espiona, e chega até a segui-la todas as manhãs. “Eu nunca tinha falado com ela , a não ser uma palavrinha à toa de vez em quando, e no entanto o nome dela era como uma convocação para todo o meu sangue tolo.” Uma vez, ela lhe pergunta se ele vai às Arábias, um bazar que ocorreria na cidade. Já que a jovem não poderia ir, ele diz que se for, trará algo para ela. Nos dias que seguem, o garoto, ansioso, só consegue pensar na menina e no quão mágico seria o bazar. 

Por causa de seu tio negligente, que apesar de vários lembretes, aparece para dar dinheiro ao menino atrasado para o bazar, ele chega tarde no lugar, tendo poucas opções do que comprar. “Arábias” é um conto sobre a primeira paixão, suas fantasias e decepções, de modo que é o segundo momento do amor apresentado por Joyce. O caráter fantástico dado ao bazar, e o objeto que, se fosse comprado, magicamente fariam o protagonista conquistar a garota, explicitam a juvenilidade do amor retratado. Assim como, nos leva a refletir; a impossibilidade dessa paixão a torna mais forte? A memória dela é marcante por ser o primeiro desencanto?

Fechando o livro, temos o monólogo de Molly Bloom, que também encerra Ulysses. Escrito em forma de pensamento livre, não tem pontuação, letras maiúsculas e apóstrofes. Somos carregados para o universo de Molly, uma mulher casada, mas que não gosta do marido, e de hábitos “promíscuos”. Entrando nesse universo feminino particular, entende-se o porquê de suas ações, já que nos vemos dentro de uma conversa com o próprio eu. Cheio de vulgaridades e xingamentos, esse “diálogo” é por muitos considerado o ponto alto da obra, evidenciando aspectos humanos vistos como obscenos.

Logo, a terceira forma de amor apresentada por Joyce é o casamento desprovido do mesmo. Esse, que de sua maneira, resulta no amor carnal. Molly Bloom é uma mulher que usa homens para seu próprio prazer, e não parece gostar nunca de nenhum, já que entende que eles a usam da mesma forma. “e como ele me beijou no pé do muro mourisco e eu pensei ora tanto faz ele quanto outro e aí pedi com os olhos pra ele pedir de novo sim e aí ele me perguntou se eu sim diria sim minha flor da montanha” 

Representando, assim, as mais diversas experiências amorosas, “Os Mortos” de James Joyce é incrivelmente realista, com diferentes vozes e perspectivas. O autor consegue capturar de modo excepcional as nuances da paixão. 

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