Por João Pedro Mafalda Ribeiro
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Quem é o cara de óculos?
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O ano de 2020 foi um ano atípico, que na realidade depois de Março praticamente não existiu. Porém, neste mês, naquele ano, Djonga lançava o seu quarto álbum, intitulado de “Histórias da minha área”. O nome é bem sugestivo, visto que na música que será apresentada, o próprio rapper diz que parte de sua infância e adolescência está presente na canção, e cada verso representa uma parte dessa sua transição de vida.
A primeira faixa do álbum, chamada de “O Cara de Óculos” foi composta por Djonga e conta com a participação da também rapper Bia Nogueira. Djonga explica que “o cara de óculos” na verdade é uma gíria em Belo Horizonte para se referir a uma pessoa que comanda, o “patrão”. Com isso, ele explica em uma entrevista que essa música fala sobre a transição dele de criança para a adolescência, onde começou a perceber que o mundo não era igual para todos, e que tinham pessoas que estavam melhores que ele na vida, e ele almejava em ser o “cara de óculos” como os outros.
No começo da canção, Bia Nogueira toma as rédeas com versos vindos da peça Madame Satã, quando ele é vendido ao mercado, onde canta: “Nem é cedo demais pra saber que a vida é desgraçada aqui/Meu filho, amor tem dessas coisas/Rudes” e para Djonga, isso explica muito bem o que é a “cara” desse álbum. No primeiro verso em que o cantor aparece, ele diz: “Era 2006, eu com 11 atrás de um Puma Disk/Passou a fase dos 12 mola/Atrás de uma novinha pra a-huh/Primeiro tomei coragem, depois tomei um fora.” Este verso representa o Djonga deixando de ser criança e já entrando na pré-adolescência, pois dá para entender que ele passou a se importar com sua aparência e começou a ter interesses amorosos, sendo um marco para si próprio, e com isso passou a consumir a querer consumir a moda da época para não ficar para trás, que está representada pelo tênis Puma Disk, muito popular no Brasil nos anos 2000.
Ainda sobre sua adolescência, em um verso seguinte ele canta: “Nós era ruim na porrada/Hoje é baile da Serra”, fazendo referência a época em que ia para os bailes com os amigos na intenção de brigar com os mais ricos que frequentavam o lugar. Ser “ruim” na “porrada” na verdade significa que eles eram os melhores, e em entrevista o rapper diz que é
algo para ser refletido, pois na época achava que era divertido, mas olhando hoje em dia, o pensamento sobre isso é diferente, e é algo que ainda acontece.
Falando um pouco sobre as decisões na vida que pessoas próximas ao cantor tomaram, ele diz: “Muito cara certo entrou na vida errada/Dinheiro sujo compra roupa limpa”, fazendo a uma alusão a pessoas boas que acabaram tomando decisões ruins que levaram a conseguir dinheiro fazendo coisas erradas, mas com a finalidade de conseguir sobreviver. No mesmo verso, ele complementa: “Essa é a prova de que os opostos se atraem/Igual policia e um preto na parede/Coisa que não entendo junto ainda”, fazendo uma crítica a constante perseguição que os negros sofrem diariamente. Djonga em um breve verso faz uma crítica ao uso de drogas e cobra consciência do ouvinte, principalmente por parte dos mais jovens, onde canta: “Eu faço o som que te tira a venda/Deixa os boy fazer o som que vende”. Por ter vivido na realidade onde as drogas e o crime estavam frequentemente em seu dia a dia, Djonga sabe mais do que ninguém os males que este tipo de coisa pode trazer para a vida de alguém, e com isso ele faz uma crítica aos “boy”, uma abreviação de playboy, que são os jovens ricos que acham legal consumir entorpecentes. Neste pequeno verso ele critica ao mesmo tempo o consumo e quem incentiva a isto.
Vindo de uma origem humilde, o dinheiro sempre foi algo almejado por Djonga para ter uma vida melhor. Com isso, em um outro verso ele faz uma espécie de diálogo com o dinheiro, quando canta: “Parece que foi tudo por ti, cifrão/E culpa dos boy zoado/Que usa as nota pra secar a testa/E aí sim falar que tem dinheiro suado.” Aqui, o cantor faz uma alusão ao trabalho que teve para conseguir ter uma boa condição financeira e chegar aonde está atualmente, enquanto os privilegiados já tinham o dinheiro sem fazer esforço algum.
Já nos versos finais, o cantor expressa em versos coisas mais pessoais dele atualmente, onde canta: “Falsos profetas vão te rodear/E quando souberem que você se ama/Eles vão começar a te odiar”, fazendo uma referência a amizades que cercam as pessoas, mas que no fundo torcem para que não consigamos estar melhores que elas por conta da inveja que as consome. Em outro verso, ele faz uma crítica a seus companheiros negros, quando diz: “O mano que critica fogo nos racista/É dos nosso, entende e vive/Prova que nem o próprio preto tá pronto pra ver o preto livre, remetendo a pessoas negras que possuem ideias racistas, de que o racismo em si não existe, por exemplo.
Uma das melhores músicas, se não a melhor, do álbum já de cara é a primeira, já nos preparando e fazendo entender como serão as histórias da área de Djonga que, a cada álbum, vem apresentando assuntos importantes para nosso cotidiano em forma de poesia ritmada, causando conscientização e reflexão.
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REFERÊNCIAS
DJONGA – O CARA DE ÓCULOS PT. BIA NOGUEIRA. YouTube, 13 de Março de 2020. Link: <https://www.youtube.com/watch?v=doRcD6DlgsM&ab_channel=Djonga>. Acesso em 07/11/2022
DISSECAÇÃO/DJONGA EXPLICA “O CARA DE ÓCULOS”, RAP TV. YouTube, 8 de Maio de 2020. Link: <https://www.youtube.com/watch?v=Twc3dVuZQS0&ab_channel=RAPTV>. Acesso em 07/11/2022