“Vidas Secas”, Graciliano Ramos

Por Vitor da Hora

Vidas Secas é o mais conhecido romance do escritor Graciliano Ramos, publicado originalmente pela editora José Olympio em 1938. Graciliano nasceu no interior de Alagoas em 1892, foi primogênito de quinze irmãos em uma família sertaneja de classe média, e passou seus anos de formação em diversas cidades nordestinas; após uma breve estadia no Rio de Janeiro em 1914 – em que atuou como jornalista no Correio da Manhã e no A Tarde – regressa à Palmeira dos Índios (AL), onde seu pai vivia e tinha um comércio, e passa a se dedicar à política, se elegendo prefeito em 1927, e também inicia sua carreira como romancista. Paralelamente a seu ofício como escritor, foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual se filiou em 1945. Foi presidente da Associação Brasileira de Escritores e viveu até os 60 anos de idade, sendo vitimado por um câncer de pulmão em 1953. Entre suas publicações célebres do autor estão os romances São Bernardo (1936) e Angústia (1937), e o póstumo Memórias do Cárcere (1953) – livro de memórias no qual Graciliano narra sua experiência na cadeia após ser preso por um ano, por envolvimento na Intentona Comunista (1935) contra o governo constitucional de Getúlio Vargas. Vidas Secas foi adaptado para o cinema pelo aclamado cineasta Nelson Pereira dos Santos em 1963 – período em que as mazelas sociais descritas por Graciliano em sua obra estavam novamente presentes no debate público por conta da proposição das Reformas de Base pelo governo João Goulart – o filme é considerado um dos clássicos do movimento do Cinema Novo. 

O livro conta a história de uma família pobre do sertão nordestino – composta por um casal (Fabiano e Sinhá Vitória), seus dois filhos (nomeados apenas como Mais Velho e Mais Novo) e a fiel cachorra Baleia – que estão em migração para fugir da fome e da seca, e encontram uma fazenda abandonada onde se instalam; após um dilúvio, o proprietário da fazenda regressa à propriedade e contrata Fabiano como vaqueiro, passando a explorá-lo. O livro não foi concebido inicialmente como um romance, tendo sido originado do conto Baleia – por isso seus capítulos não seguem uma linearidade narrativa, com exceção do primeiro e do último que formam um triste ciclo – que se transformou no emblemático e comovente capítulo em que é narrado o sacrifício da adoentada cachorra Baleia. 

Vidas Secas é considerado um romance regionalista, estilo comumente associado à segunda geração (também conhecida como Geração de 30) do modernismo na literatura brasileira – entre outros romances regionalistas do período figuram títulos de autores como Jorge Amado (Capitães da Areia, 1937), Rachel de Queiroz (O Quinze, 1930) e José Américo de Almeida (A Bagaceira, 1928). O historiador e crítico literário Alfredo Bosi enquadra toda a ficção de Graciliano como romances de tensão crítica, nos quais o protagonista se opõe e resiste em agonia às pressões da natureza e do meio social, formulando ou não em ideologias explícitas seu permanente mal-estar¹. Esta tensão crítica fica nítida ao longo da trama na representação da miséria no sertão nordestino, como também nas denúncias à concentração e desigualdade fundiária na região – materializadas em personagens como o Soldado Amarelo. Uma das principais características do livro é a construção psicológica dos personagens que, mesmo com a narração em 3ª pessoa, tem capítulos próprios – como por exemplo Fabiano, que em seu capítulo diz “não se considerar gente, apenas um cabra”, mostrando o quanto a pobreza é capaz de desumanizar um homem. Quase 85 anos depois da publicação de Vidas Secas, as discrepâncias entre as regiões Norte-Nordeste e o Centro-Sul ainda continuam como obstáculo para o desenvolvimento socioeconômico nacional de forma homogênea – e o recente retorno do país ao Mapa da Fome evidencia o porquê desta obra de Graciliano ser essencial para compreender o Brasil. 

¹ BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2021. 53ª edição. p. 419.

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