Por João Pedro Mafalda Ribeiro
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Hoje não
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“Hoje não” é uma expressão popularmente utilizada em diversos momentos de nosso cotidiano, e nela cabe em diversas situações. Nesta resenha, será apresentada mais uma das produções do rapper mineiro Djonga, que com esse título, lançou uma das canções que conta mais um pedaço de sua própria história. Ao mesmo tempo em que ele compartilha com seus fãs algo pessoal, no videoclipe da canção ele utiliza o título para um desfecho diferente de um acontecimento real.
Pertencendo ao álbum “Histórias da minha área” de ano de 2020, a faixa “Hoje Não” nos apresenta o Djonga dos dias de hoje, uma pessoa que continua vencendo na vida a cada dia, mas que mesmo já possuindo fama e dinheiro ainda tem que conviver com os preconceitos devido a sua cor de pele. No clipe da música, Djonga aparece dentro de um carro de luxo ao lado de um amigo, que no caso é o criador das batidas de suas canções. Com o refrão “tô tirando o pé pra ver se os otário me alcança”, Djonga faz uma alusão a diminuir o seu ritmo de crescimento na vida para pessoas que desmerecem a sua luta, alegando que foi algo fácil, então se realmente é, ele está esperando o alcançarem.
No primeiro verso da canção, Djonga relata algo que de certa forma está acostumado a passar, quando canta: “Tirando lazer de Porsche/Peita da Lost e tudo/Movimento suspeito, pediram pra encostar”, referindo-se às abordagens policiais que sofre mesmo estando em um carro de luxo e utilizando roupas caras e que se fosse uma pessoa branca em seu lugar, não teria sido parado. Em seguida, a canção torna-se um breve diálogo entre o cantor e o policial que o aborda, nos seguintes versos: “Só pode ser brincadeira/Começa a perguntar/Tem coisa errada na fita/Filhão, cê tá com quem?” e o rapper logo responde: “Sou eu por eu, doutor/Sei, parece conto de fadas”, e em seguida ele fala uma das realidades atualmente, quando canta: “Vai no histórico do Mac ver quem seu filho ama/Achou mesmo que o herói dele ia ser alguém de farda?”, fazendo referência ao consumo do rap por parte da elite brasileira. Ainda neste discurso, ele faz uma outra referência, desta vez sobre as filhas que admiram os rappers ao mesmo tempo em que denuncia a violência que leva ao genocídio do povo negro ao cantar: “É que enquanto o doutor capota os de raça no soco/Ela tá falando que ama ver um
preto no topo/Imagina seu moço, neto com esse biotipo/O mais fácil é eliminar todos esses garotos”.
No decorrer da canção, há um verso em que Djonga mostra indignação com os inúmeros casos de violência policial, ao cantar: “Me perguntam se eu não me arrependo do que tenho dito/Mas não se arrependem de de Jennifers, Kauãs e Ágathas”, fazendo referência a crianças que foram mortas pelas forças policiais no Brasil.
Desvinculando sua imagem que de uma sociedade racista está sempre ligada ao crime, Djonga brinca com um artigo do código penal quando canta: “1-7-1 pra mim não é mais crime, seu guarda/É o número em milhões de streamings no meu Spotify” e também faz uma analogia as armas que matam seus semelhantes, ao dizer: “Quer me matar com G3 mas você paga 3G/Pros seus menor me ouvir na rua quando tiver sem wi-fi”, fazendo uma referência a um fuzil e ao inverter o nome da arma de fogo, torna-se a internet que temos quando estamos fora de casa, utilizada para dar streamings em sua música nas plataformas digitais.
Durante todo o videoclipe da canção, aparece uma garotinha que faz o papel da menina Ágatha, assassinada por um policial na comunidade da Fazendinha no estado do Rio de Janeiro, um dos casos recentes mais chocantes. Porém, no final do clipe temos uma reconstituição do caso, onde ao invés de ser mostrado o trágico fim da menina, o clipe nos mostra os verdadeiros responsáveis estirados no chão devido a revolta popular.
“Hoje Não” é uma das músicas do álbum onde realmente dá para perceber uma história sendo contada, ao mesmo tempo em que passa uma mensagem de revolta e de fatos que acontecem no cotidiano do cantor, que não é apenas a realidade dele, mas também de outros negros que são bem sucedidos, que mesmo tendo ascendido socialmente, ainda continuam na mira das armas por sua cor de pele, o que é representado no videoclipe a todo momento em que o cantor aparece.
REFERÊNCIAS
DJONGA, Hoje Não. YouTube, 13 de Março de 2020. Link: <https://www.youtube.com/watch?v=qxXr2CYjHl8&ab_channel=Djonga> . Acesso em 08/11/2022