Por João Pedro Mafalda Ribeiro
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Quem foi que falou que não sou moleque atrevido?
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Um dos maiores poetas da música brasileira e do samba tem nome e sobrenome: Jorge Aragão. Com suas letras, ele moldou uma geração e tornou-se inspiração para todos os cantores e compositores que vieram após ele. Em seu grande sucesso, e também um clássico, “Moleque Atrevido”, Jorge conta uma breve história de superação, que é a sua própria e de outros colegas sambistas. Sabemos que o samba enfrentou diversos preconceitos desde o seu surgimento, já até tendo sido considerado como crime, mas que hoje em dia é patrimônio imaterial da cultura brasileira e uma das principais marcas do país. Pensou em samba, pensou no Brasil.
Nessa mesma pegada, o rapper Djonga em uma das faixas de seu álbum intitulado “LADRÃO” (2019) faz uma releitura deste clássico do samba brasileiro, mas dessa vez envolvendo o rap, que é o gênero musical que mais vem crescendo no Brasil nos últimos anos e que, de certa forma, compartilha uma história de marginalização, desdém e outros tipos de preconceito com quem faz o rap e com quem escuta. Dessa forma, o samba de Jorge Aragão acaba dialogando perfeitamente com o rap, e também com Djonga. Intitulada com uma maneira mais informal, que é uma das características do rap, “MLK 4TR3V1DO” faz um paralelo perfeito com o samba de Aragão. Da mesma forma feita pelo sambista, Djonga conta brevemente a história da ascensão do rap no Brasil e a sua própria. Considerando que era desconhecido até seu primeiro álbum lançado em 2017, em apenas 2 anos o rapper mineiro ascendeu e tornou-se um dos principais nomes do rap no Brasil. Mesmo alcançando o sucesso em tão pouco tempo, Djonga não se esquece de suas raízes e de tudo que passou para chegar onde está hoje.
O título “Moleque atrevido” é perfeito para o cantor, que desde criança já almejava ser algo mais, alguém que se destacasse, e para isso teria que se arriscar, se atrever a tentar. A releitura que faz da canção é muito semelhante à original, mas o seu grande diferencial está na batida, que não está presente nesta versão. Como se fosse um “papo reto”, Djonga canta cada verso com um tom de seriedade, como se esta sua versão fosse um discurso apresentado para uma multidão, o que já está acostumado a fazer em seus shows, mas dessa vez de uma forma diferente. Ele abre a música da mesma forma que Jorge Aragão, mas colocando sua
história no meio, quando diz: “Quem foi que falou que não sou moleque atrevido?/Ganhei minha fama de Djonga nos raps de roda”. Neste trecho, ele nos mostra as similaridades que o rap possui com o samba. É comum nos finais de semana existirem rodas de rap pelos subúrbios do Brasil, e assim como no samba, quem canta possui um nome, e quanto mais for e cantar, seu reconhecimento vai aumentando. No verso seguinte, Djonga canta: “Fico feliz em saber o que fiz pela música, faça o favor/Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”. Como dito anteriormente, Djonga é um dos principais responsáveis atualmente pela popularização do rap, chegando a aparecer em entrevistas no horário nobre da televisão brasileira contando a sua história e a do próprio rap, fazendo sua carreira decolar e o rap se popularizar ainda mais.
No verso seguinte, o rapper canta: “Também somos linha de frente de toda essa história/Eu lembro do tempo do rap, sem grana e sem glória”. Assim como na música original de Jorge Aragão nos mostrando pelo que o Samba passou para chegar ao que é hoje, Djonga nos mostra que o caminho do rap foi muito semelhante, participando da “linha de frente” enquanto o rap não tinha o reconhecimento nem a popularização de hoje, quando não dava dinheiro ou prestígio. Continuando a canção, em outros versos o rapper destaca: “E a gente chegou muito bem/Sem desmerecer a ninguém/Trazendo no peito muito preconceito e um certo desdém”, contando para o ouvinte que para estar onde está hoje, nunca precisou diminuir os feitos do próximo, e também passou por diversas lutas enquanto decidia continuar cantando o rap, que sempre foi visto como sendo algo de marginal, de vagabundo, por isso enfrentou muito preconceito o certo desdém e com isso Djonga complementa: “Tá chovendo de gente que fala de rap e não sabe o que diz”, fazendo uma alusão às pessoas que criticam algo em que não possuem o mínimo de conhecimento sobre.
Já nos versos finais da releitura, Djonga volta a clamar pelo respeito por sua luta pelo rap quando canta: “Por isso vê lá onde pisa, respeita a camisa que a gente suou”, e também por sua religião: “E quando pisar no terreiro, procure primeiro saber quem eu sou”.
Esta releitura de um marco do samba brasileiro é muito significativo para a carreira de Djonga e para o rap nacional. Pegando os ouvintes de surpresa no álbum, o rapper mineiro inovou quando ao mesmo tempo homenageia um dos grandes nomes da música brasileira e conta a sua história, que se encaixa perfeitamente com a composição de Jorge Aragão.
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REFERÊNCIAS
DJONGA – Mlk 4tr3v1d0. YouTube, 13 de Março de 2019. Link <https://www.youtube.com/watch?v=n08FUL8k9gM&ab_channel=Djonga>. Acesso em 08/11/2022