“Jogador Número Um”, Ernest Cline

Por Raquel Martins

O planeta terra está em declínio, mas tudo o que as pessoas conseguem pensar em fazer é “viver” suas vidas virtuais no universo OASIS, um vídeo game criado para que todos possam imergir quase completamente em um ambiente no qual podem ser o que quiserem e como quiserem enquanto interagem uns com os outros, vão a escola, faculdade e até ao trabalho. Enquanto o mundo está cada vez pior após inúmeras crises que tornaram a humanidade miserável, o universo dentro de OASIS se tornou um refúgio para todos, principalmente para aquele cuja existência se parece com um fardo.

Wade Watts, o jovem protagonista de dezoito anos, é que introduz o leitor e o guia por toda uma complexa história que envolve uma espécie de caça tesouro virtual, ou melhor, um caça ovo, afinal é assim que todos em OASIS chamam o concurso que é a peça central da trama completamente alucinante que requer muita atenção, pois é repleta de detalhes.

Desde o início da vida, Wade sabia que sua vida não era boa, afinal o pai tinha morrido e sua mãe tinha passado a ser usuário de drogas, até que morreu de overdose e isso obrigou Wade a ir morar com uma tia que o desprezava e que além disso dividia a “casa” com mais quinze pessoas. Ao passar a viver com a tia, Wade se tornou morador de um local em estado deplorável que a qualquer momento poderia vir a cair ou explodir, considerando a quantidade de pessoas que faziam de seus trailers – como eram chamados os carros, vans e ônibus empilhados uns nos outros e presos por ferros de obras – laboratórios de materiais inflamáveis.

Considerando que tudo ao seu redor parecia sempre prestes a ruir, aos trezes anos Wade passou a ficar quase que totalmente imerso no OASIS e foi nessa mesma época que o criador do jogo, James Halliday, deixou o mundo em polvorosa quando anunciou que com sua morte, toda sua fortuna e o controle daquele que havia se tornado o maior jogo do mundo estaria nas mãos de quem encontrasse um Easter Egg escondido dentro do OASIS e o que a pessoa precisava fazer era encontrar três chaves que levariam a três portais diferentes e no último portal é que o grande prêmio estaria aguardando. Wade, no início de sua adolescência e sem perspectiva de algo bom para si, entrou de cabeça na caça assim como milhares de pessoas.

Por longos cinco anos, tudo o que Wade fez além de ir para a escola – virtualmente – foi ler, ouvir e falar sobre tudo o que envolvia a vida de James Halliday. Wade aprendeu cada fala de cada filme que sua grande inspiração amava, além das músicas, dos livros e de outros videogames que James adorava. Wade se tornou um especialista em Halliday e quando menos esperava, aos dezoito anos, após anos frustrados de caçada, Wade conseguiu a primeira chave. Após esse feito, uma sucessão de coisas aconteceu e mudou a vida dele para sempre.

Com uma narrativa completamente abarrotada de referencias dos anos 80, especificamente sobre o que mais fazia sucesso nos Estados Unidos, Ernest Cline consegue mover as engrenagens da mente do leitor de modo que é impossível não se sentir parte da história, principalmente considerando a franqueza e a vulnerabilidade com a qual ele criou seu protagonista, Wade Watts.

Por ser um jovem que está terminando o colegial e se sente perdido em um mundo totalmente afundado em caos, Wade transmite uma agonia que é palpável e ao mesmo tempo consegue segurar sua atenção com o senso de humor carregado de sarcasmo e acidez. As obsessões com filmes, jogos e livros do jovem são fáceis de se identificar, principalmente considerando que apesar de a história ter como cenário o ano de 2045, muito do que Wade descreve e vive pode ser visto em 2022 e até mesmo alguns anos antes disso.

A crise na energia, a fome no mundo e o fato de que as pessoas se enclausuram em suas vidas virtuais para não lidarem com o que acontece no mundo real não é algo distante e isso é o que talvez torne “Jogador Número Um”, um livro tão fácil de absorver e compreender. É também, em parte, um tanto cansativo para quem não gosta de tantas referencias, ainda mais sobre assuntos que basicamente referem-se ao universo nerd e geek.

Por fim, “Jogador Número Um” é aquele livro que carrega críticas ao governo e a lamentável falta de empatia da sociedade de modo sagaz e divertido, ainda que em determinados momentos passe a sensação de que é necessário dar uma pausa na leitura para respirar fundo e poder prosseguir sem sentir que a humanidade de fato caminha para o destino cuja essa história narra.

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