Por Guilherme Freire
Uma criança vive seus dias como qualquer outra criança, tendo o amor dos pais e de suas irmãs. Tudo parece bem, um ambiente agradável para uma criança viver, mas algo estava errado. Sinclair, o protagonista da obra, tinha uma visão em sua mente de dois mundos distintos: o paternal, onde a vida era confortável e segura, e o sombrio, onde havia perigos e inseguranças. Apesar de ser apenas uma criança, ele tinha uma visão de mundo bem formada e estava feliz em deixar as coisas como estavam, ou era o que ele pensava. De certa forma, a partir do momento em que concebeu a ideia desses mundos, nasceu dentro dele uma nova pessoa, alguém curioso e avido por conhecimento, alguém que tem interesse em buscar por mais. A falta de conhecimento que ele tem sobre si mesmo é o fator fundamental da obra, o que o leva a uma jornada de autoconhecimento um pouco diferente do usual.
A história do livro é bem simples, assim como seu desenvolvimento. O que a torna especial é a forma como ela é contada e o peso da introspecção. O livro é contado em primeira pessoa e o foco da narrativa não são os acontecimentos, apesar deles serem essenciais para a mudança do protagonista ao longo da trama , e sim a relação do protagonista com ele mesmo. Isso é perceptível pela forma que a história é contada. Sinclair parece sempre procurar uma justificativa para as coisas que acontecem, buscando algum tipo de lição de cada situação que ocorre. No início da narrativa, por exemplo, ele conta uma mentira. É uma situação infantil em que ele procura ter a atenção de seus amigos que parecem se interessar mais pela criança mais velha, Kromer, figura que representa a personificação dos pesadelos do protagonista, quase como uma entidade que o faz perceber que não seria possível continuar vivendo naquele mundo paternal.
A partir de uma simples mentira, ele começa a ver seu mundo ruir quando Kromer o ameaça, desequilibrando a estrutura que o confortava. Por meio de Kromer, Sinclair tem um vislumbre do mundo sombrio e percebe que mesmo resolvendo aquela situação não era possível voltar atrás. Nesse processo, surge um guia que o conduz nessa jornada: Demian, uma criança mais velha que possui interesses muito distintos das outras crianças e aparenta ter uma visão mais ampla de mundo, assim como Sinclair. Durante o processo de descobrimento do protagonista, o leitor é envolvido em uma narrativa que o faz questionar a própria vida e ressignificar todos os seus acontecimentos. Sinclair só percebe que algo estava errado porque olhou para o abismo dentro de sua alma, e só foi capaz de significar sua vida ao encará-lo e enfrentá-lo sem medo.