“A Invenção de Morel”, Adolfo Bioy Casares

Por Cecília Belém

A Invenção de Morel, escrito pelo autor argentino Adolfo Bioy Casares em 1940, tem um poder quase mágico de permanecer incrivelmente atual. A obra conta a história de um homem venezuelano que, tentando escapar de um condenação, foge para uma remota ilha deserta no Pacífico, mesmo sendo fortemente desencorajado, já que se dizia que uma doença mortal assombrava aquela ilha. O protagonista consegue chegar ao seu destino e o local se mostra não ser tão deserto assim, com diversas edificações abandonadas, máquinas e motores funcionando a todo vapor e figuras humanas transitando pelos espaços. Uma piscina, uma igreja e um museu são as únicas estruturas que mal permanecem de pé apesar de todas as circunstâncias, e a vida parece circular por esses ambientes. O personagem, deprimido e sozinho, decide viver em meio às três construções, e passa todo o seu tempo observando as pessoas, que parecem levar suas vidas com uma naturalidade anormal, sem perceberem seus arredores e o estado no qual as coisas estão.

Com o passar dos dias, fica cada vez mais difícil para o protagonista discernir a tênue linha entre a realidade e a imaginação. O narrador é ignorado – ou não percebido – por aquelas pessoas que coexistem na ilha, e não consegue estabelecer nenhuma forma de comunicação com eles. Isso não o impede de se apaixonar por uma dessas pessoas, Faustine. Com seu belo lenço colorido, sua pele dourada e seus cabelos negros, o amor ocupa o lugar da solidão e dá esperança em meio ao caos da vida do fugitivo. Mesmo sem conseguir se declarar, mesmo que inalcançável, ele é persistente.

Sem conseguir se aproximar e se sentindo cada vez mais isolado, ele percebe um evento estranho: as ações começam a se repetir. As pessoas visitam os mesmos lugares, têm os mesmos diálogos e as mesmas reações. O ciclo se torna rotineiro: são sete dias que se repetem a cada semana que passa: Faustine visita a praia e conversa com Morel (figura importante no decorrer da história), as pessoas se reúnem ao redor da mesa de jantar, escutam música. Tudo se repete, e se repete e se repete em um ciclo infinito, cada vez mais quebrando o protagonista, que faz de tudo para compreender e tentar mudar a situação. Para nós leitores, fica a dúvida: será que ele está vivendo um ciclo, no qual o mesmo dia se repete? Ou seria a ilha um purgatório pós-vida? Ou tudo não passa de uma alucinação? Os eventos fora do normal acontecem cada vez mais: sem contar muito para não estragar a experiência, além do declínio da sanidade do narrador, surgem dois sóis e a natureza parece lutar consigo mesma. Conforme a situação caminha, nos vemos cada vez mais envolvidos, querendo solucionar o mistério. As teorias iniciais se multiplicam e se tornam muitas, com milhares de possibilidades e pensamentos tanto em nós quanto no protagonista.

O auge se dá na descoberta do que é a tal Invenção de Morel e qual o seu papel na ilha e na vida dos personagens. É um dos momentos mais incríveis da obra. É o ápice da confusão entre real e imaginário, dos limites da tecnologia e de até onde se pode ir sem ultrapassar barreiras morais e éticas. Morel, personagem extremamente presente na história até o momento, revela sua verdadeira pessoa, e é possível termos um olhar mais íntimo sobre suas intenções e verdades, assim como o narrador.

O livro, ao mesmo tempo que curioso e envolvente, é fantasmagórico e opressivo. É uma viagem incrível e instigante, atual e nostálgica, que tem um final muito impactante. É um misto de ficção científica, literatura fantástica e drama psicológico. Com a narração (incrível, aliás) em primeira pessoa, nos imergimos completamente na história e vamos descobrindo, pouco a pouco, mais sobre a ilha junto com o protagonista. A escrita é feita de uma maneira muito única, como um diário escrito pelo homem, que nos conta sobre todas as suas emoções e pensamentos. Contudo, o diário é revisado por um editor misterioso, que adiciona notas de rodapé apontando discordâncias nas falas do protagonista, nos cativando e confundindo cada vez mais. São abordados assuntos muito interessantes como o avanço tecnológico (novamente, a obra foi escrita nos anos 40. E, ainda assim, Bioy Casares tem uma leitura extremamente atual sobre o assunto), solidão, psicologia e a própria realidade.

“O fato de não podermos compreender nada fora do tempo e do espaço talvez sugira que nossa vida não é apreciavelmente distinta da sobrevivência a ser obtida com esse aparelho.”

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