Por João Pedro Mafalda Ribeiro
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Corra, para a luta antirracista
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Ainda no cenário do rap nacional e com letras que relatam todo tipo de luta do cotidiano popular, esta resenha traz mais uma análise/apresentação de uma das canções do rapper Djonga, de seu álbum intitulado “O Menino Que Queria Ser Deus” do ano de 2018. Desta vez, será apresentada a faixa do álbum chamada “Corra”.
Inspirada no filme de terror dirigido pelo famoso diretor Jordan Peele intitulado “Corra!” do ano de 2017, Djonga utiliza em sua canção elementos que dialogam com a trama. O filme de Jordan Peele fala sobre um jovem negro apaixonado que viaja para conhecer os pais de sua namorada branca, mas que com o tempo ele percebe que a família dela esconde algo assustador e com isso tenta escapar. A música de Djonga é mais uma em que o rapper fala sobre o racismo, que já é uma característica dos trabalhos do cantor e nesta faixa, conta com a presença da rapper mineira Paige.
Logo no começo da música, é apresentado uma espécie de diálogo de um casal que é cantado ao mesmo tempo por Djonga e Paige, onde em uma aparente conversa, falam: “Amor, olha o que fizeram com o nosso povo/Amor, esse é o sangue da nossa gente/Amor, olha a revolta do nosso povo/ Eu vou, juro que hoje vou ser diferente”. No videoclipe oficial da música, Djonga aparece a todo momento correndo e utilizando vestes africanas, e em um telão atrás do cantor, passam diversas imagens, sendo ele próprio em uma expressão de desespero, o partido dos Panteras Negras e símbolos transparentemente racistas.
Em um verso seguinte, o cantor diz: “Éramos milhões, até que vieram vilões/O ataque nosso não bastou/Fui de bastão, eles tinham a pólvora/Vi meu povo se apavorar”, fazendo alusão ao período da colonização e do genocídio devido a chegada do homem branco, que desesperou negros e indígenas e os colocou como sendo inferiores, algo que está presente até os dias atuais. Ainda dialogando com essa sensação subalterna dos negros sob os brancos, Djonga em outro verso apresenta e critica o fato de que o branco sempre é visto como o “salvador” enquanto eles mesmos são os responsáveis pelo sofrimento do povo negro quando diz: “Eles são a resposta pra fome/Eles são o revólver que aponta/Vocês são a resposta porque tanto Einstein no morro morre e não desponta” e no verso seguinte ele reforça o chamado priviégio branco quando canta “Vocês são o meu medo na noite/Vocês são mentira bem
contada/Vocês são a p*** do sistema que vê mãe sofrendo e faz virar piada, p***”, fazendo uma alusão às frequentes aparições nas mídias de mães que perderam seus filhos devido a violência urbana onde os negros, em grande maioria, são as vítimas.
No decorrer da música, Djonga volta ao tema do negro ser subtalterno ao branco em um verso ao dizer “Eu não quero vida de pizzaiolo, e sim ser dono da pizzaria”, fazendo uma referência também ao sonho que as pessoas possuem em serem os patrões e não os empregados. Retomando o tema sobre a violência urbana, o rapper em um verso curto e simples denuncia mais uma vez o genocidio do negro ao dizer “Perdão Senhor, mas na pista só vejo sódio”. Este sódio a qual ele se refere é um dos minerais que estão presentes no sangue, e quando ele diz “pista” é uma referência aos corpos negros estirados nas ruas.
Em outro verso, Djonga faz uma alusão ao “poder” que o homem branco possui por meio de seu privilégio para persuadir, intimidar e calar as pessoas, principalmente mulheres, quando diz: “Não treme/Não geme/Se cala vadia/Aqui é a p*** do senhor de engenho” e quando continua no verso seguinte “Eu sou tudo/Sou vídeo/Sou foto/Sou frame/Tem que se vender pra mim se tu quiser um Grammy”, fazendo uma alusão aos escândalos de assédio que acontecem nos bastidores da grande indústria musical, onde sempre um homem branco está envolvido. A música termina com o diálogo inicial cantado por Djonga e Paige novamente. Ao final do clipe, o rapper faz diversas homenagens a vitimas do genocídio negro no Brasil, tendo nomes como o de Marielle Franco presente.
Por fim, “Corra” é mais uma das canções do rapper mineiro que expõe o racismo estrutural presente em nosso cotidiano, e é uma das principais características do álbum O Menino Que Queria Ser Deus. Por ter sido inspirada na trama de Jordan Peele, torna-se ainda mais interessante esse diálogo com o longa quando se ouve a música assistindo o clipe. Fica a indicação para a escuta da faixa, que é mais uma letra ressaltando a luta antirracista.
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REFERÊNCIAS
DJONGA, CORRA ft Paige (Clipe Oficial). YouTube, 5 de Maio de 2018. Link: <https://www.youtube.com/watch?v=QcJ9oxMj6JI&ab_channel=Djonga>.
VASCONCELLOS, Andressa. CORRA, de Djonga, é o grito dos que foram silenciados. 17 de Abril de 2018. Link: <https://medium.com/pirata-cultural/corra-de-djonga-%C3%A9-o-grito-dos-que-foram -silenciados-464bc32b2830>.