“Uma Loucura Discreta”, Mindy McGinnis

Por Flora Cruz

🚨 ATENÇÃO: ESTA RESENHA CONTÉM SPOILERS 🚨

Ao longo de 388 páginas, Mindy McGinnis conta a história de Grace Mae, uma garota da alta sociedade de Boston, em 1890, que acaba sendo enviada a um asilo para pessoas com transtornos mentais após vários episódios de abuso sexual, provocados pelo pai, e uma infeliz gravidez. Com capítulos curtos e dinâmicos — o que, na verdade, é algo que me agrada muito —, a história se inicia com a protagonista já internada e optando por não se comunicar com nenhuma das pessoas com quem dividia seus dias, nem mesmo com a Sra. Clay, uma de suas melhores amigas. 

Em decorrência desse fato, Grace é considerada uma das pessoas com melhor comportamento dentro da instituição — o que é natural, uma vez que não dispõe de nenhuma psicopatologia, ao contrário de seus colegas — e é convidada para um jantar com os trabalhadores da instituição, juntamente da Sra. Clay, outra paciente do asilo. Inicialmente, o jantar é muito agradável e dispõe de conversas alegres. Ainda assim, Heedson, o diretor do asilo e responsável por Mae, inicia duras e consecutivas provocações direcionadas à garota da alta sociedade, que, após meses de bom comportamento, reage violentamente à situação.

No dia seguinte, todavia, Grace já não amanhece grávida, o que ocorre de forma absolutamente inusitada e com muito desleixo por parte da autora, quase como se tivesse magicamente sofrido um aborto. A garota, portanto, já é passível de castigos pela violência causada ao senhor Heedson e é enviada ao porão do asilo, onde encontra Falsteed.

Falsteed é um homem que vive há anos na escuridão do porão e possui um lado místico capaz de intrigar qualquer um. Aparentemente, através dos cheiros, o homem é capaz de obter qualquer conhecimento sobre uma pessoa, fazendo cair qualquer máscara que cubra segredos e dores. Percebendo que Grace Mae, a filha do senador Mae, é uma garota de intelecto invejável logo nos primeiros segundos, Falsteed a apresenta ao Dr. Thornhollow, um médico capaz de tornar mudos e calmos os pacientes mais difíceis do asilo através de uma pequena operação cerebral.

Naturalmente, Thornhollow fica curioso com Grace e sua história e acaba por oferecer a ela a fuga do asilo, contanto que a garota venha a trabalhar com ele. Mae, por sua vez, fica aflita em deixar sua irmã mais nova, Alice, com o pai — e aqui vale ressaltar que a preocupação não se estende à mãe, já que a matriarca sabia da conduta do marido e culpava a filha —, mas aceita a proposta. 

Apesar de a fuga de Grace ser todo o alicerce da trama, ela foi construída de forma tão descuidada que beira a falta de verossimilhança, isso porque nenhuma mulher que acabou de sofrer tantos abusos ao ponto de se proibir a fala seria capaz de se entregar a dois homens (Falsteed e Thornhollow) com tamanha facilidade. A autora, aqui, literalmente nos vende uma mulher reclusa e frágil, apenas para logo em seguida mudar completamente a sua personalidade.

Ao passo em que é vendida a ideia de que Grace Mae é morta para todos no asilo, a garota foge ao lado do recém-conhecido para Ohio, mais especificamente para um outro asilo de mesma finalidade, no qual Mae terá novamente que adotar o silêncio, já que é apresentada como assistente de Thornhollow e vítima de sua cirurgia. A mudez, todavia, não a impede de virar amiga de Nell, uma portadora de sífilis, e Lizzie, que guardava em sua orelha Barbante, um ser sem gênero que contava coisas para a personagem. 

Apesar de a história ter muitos personagens que não acrescentam e que facilmente poderiam ser descartados (como a própria Sra. Clay, uma enfermeira e uma paciente que só aparece para fazer barulhos), muitos dos personagens que de fato são importantes são muito divertidos — como a própria Nell — ou então muito interessantes — como Barbante, que tem um lado mágico ao saber de coisas que ninguém mais sabe. A questão, todavia, se dá com Thornhollow e sua irmã, personagens sobre os quais sabemos absolutamente nada, são completamente rasos, mas aparecem frequentemente na história e têm um papel importantíssimo. Isso se não levarmos em conta como ambos os personagens magicamente se tornaram amigos de Grace Mae.

Passando, então, a falar de minha personagem favorita — e é digno de nota que neste parágrafo há spoilers, assim como na primeira frase do décimo parágrafo —, a Nell, vemos nela uma figura absolutamente empoderada (uma vez que foi internada apenas por lidar livremente com sua sexualidade), engraçada e coerente, ao contrário de Grace. Apesar de eventualmente cometer suicídio em decorrência do agravamento da doença e isso me entristecer muito, a forma como a morte ocorre e é narrada pela autora se faz absolutamente concisa e delicada. O momento é triste e contém certamente o ponto alto da história.

E, por falar em ponto alto, o que deveria ser de fato o foco da trama, isto é, o trabalho de Grace ao lado de Thornhollow para desvendar o autor de assassinatos em série, é deixado de lado e não é tratado com nenhum cuidado. Tal fator acaba por matar o livro de uma vez por todas e torna mentirosos os dizeres de que se trata de uma trama do gênero thriller, já que não instiga ninguém a querer saber quem é o assassino.

Retomando a morte de Nell, vemos que a ação acaba mudando completamente a personalidade de Grace. A questão, não obstante, é que, apesar de McGinnis afirmar que a morte mudou Grace Mae, a personagem só muda quando finalmente descobre quem é o assassino, matando-o friamente e surgindo com a ideia de jogar a culpa de um dos assassinatos em seu pai, que havia passado pela cidade no dia de uma das mortes, para assim livrar Alice dos abusos do homem. 

Diante disso, surge uma nova questão e falha no livro: a morte ou prisão do senador Mae resultaria, de fato, no fim dos abusos sexuais, mas não tornaria necessariamente a vida da pequena em algo mais fácil, afinal das contas, a mãe de ambas as meninas não é exatamente flor que se cheire.

Por fim, a trama termina com a condenação do senador e com Grace perdendo magicamente os traços psicopatas que havia ganhado com a mesma facilidade e concisão.

Apesar de gostar muito de alguns personagens do livro, não poderia deixar de falar que não acredito que ele mereça o Edgar Awards na categoria Young Adult, como o ocorrido no ano de 2016, em decorrência das inúmeras falhas já citadas. Ao mesmo tempo, definitivamente não é um livro que recomendaria.

“– Grace, você tem alguma ideia do que você fez?

– Eu matei um homem – disse ela – um homem que merecia morrer.

– E quanto a você, Grace? Que parte de você teve que morrer para que tomasse essa medida drástica?

Ela tinha esperado sentir o ardor da fúria ante aquelas palavras, mas não havia nada além da escuridão se escancarando dentro dela” (Uma Loucura Secreta, p. 333 a 334) – Ilustração por Bárbara Vitória

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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