“O Filho Eterno”, Cristovão Tezza

Por Ana Beatryz Bolognini

O filho eterno

Nesse livro profundo e corajoso, Cristovão Tezza narra os sentimentos de um pai ao descobrir que seu filho tem Síndrome de Down. Embora a obra seja narrada em terceira pessoa, ela é um registro ficcional de dados autobiográficos. Tezza se inspirou em sua própria história e na história de seu filho, Felipe, para escrevê-la, talvez isto justifique o porquê na orelha do livro diz que se trata de um relacionamento com “dificuldades, inúmeras, e as saborosas pequenas vitórias”. Aliás, é curioso notar que, com exceção do filho, nenhum dos personagens possui nomes, são sempre tratados por “o pai”, “a mulher”, “a irmã”, a “mãe”…

Voltemos ao início, tudo começa com um jovem escritor frustrado por não conseguir êxito em sua profissão e, por esse impasse, sustentado pela esposa, que acaba de dar à luz a seu primogênito. Logo, o escritor percebe que “há algo de errado com aquela criança”, contudo ainda não sabia que se tratava da trissomia do cromossomo 21. Importante ressaltar que se passa na década de 1980 e pouco se sabia sobre essa condição, portanto, não havia diagnóstico e era tratada preconceituosamente por “mongolismo”.

O que sucede é uma descrição assustadora, repugnante e real de um pai que não só não estava preparado para lidar com um filho com deficiência, mas também de um pai que não queria essa criança. Comparando-o a um lagarto ao começar a engatinhar, considerando-o um monstro ou como um peso que irá carregar pelo resto da vida, não conseguindo amá-lo e nem sequer olhá-lo, sentindo uma “vergonha medonha de seu filho”. Relatos crús e cruéis.

Ao longo do livro, nós, leitores, somos apresentados às dificuldades internas e externas de uma família atípica, à sua busca por um médico especialista e ao tratamento mais adequado, ao prepará-lo para conviver socialmente e aos questionamentos do pai, como: Como será a vida de seu filho? Ele irá aprender a ler e escrever? Ele terá amigos e relacionamentos amorosos? Ele será um adulto independente ou precisará dos pais para o resto da vida? Quem cuidará dele na falta dos pais? Ele será capaz de trabalhar? Como será a vida dessa família? Questionamentos que nos levam à reflexão, na teoria, é tudo absurdamente fácil e bonito, é simples dizer que não somos capacitistas e nem preconceituosos, mas e se fossemos nós no lugar daquele pai, como agiríamos e pensaríamos? E se estivéssemos no lugar daquele filho, sendo tratados como “mongoloides” — repudio completamente este termo — e tendo um pai que nos despreza? 

Por isso, classifico o livro como profundo e corajoso. Profundo, pois somos atropelados pelos pensamentos e sentimentos de um pai que é indiferente ao próprio filho. Em primeira instância, são precisos anos e um desaparecimento da criança para começar a surgir um sentimento afetuoso. Corajoso, pois Cristovão Tezza não hesitou em se expor de uma maneira tão aberta e verdadeira.

É impossível ler “O filho eterno” e não se emocionar, não sentir um misto de emoções, repulsa, tristeza e alegria com os pequenos avanços na relação de pai e filho que é construída lentamente ao longo do livro. Além disso, é nítido o avanço da medicina com o passar dos anos. Por exemplo, atualmente é possível identificar a Síndrome de Down no pré-natal e, logo ao nascer, as crianças são indicadas à fisioterapia para iniciar um processo de estimulação precoce. Outra mudança é na inclusão dessas pessoas, através de políticas públicas que asseguram seus direitos e visam facilitar sua relação com a sociedade.

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *