Por Giovanna Lima
A obra de jornalismo literário escrita por Selva Almada e lançada em 2015 pela Cosac Naify, conta a história da autora e seu encontro com o feminicídio na adolescência. Ela explora a morte de três jovens no interior da Argentina, cujos assassinatos nunca foram solucionados. Usando da narrativa realista, Almada tem como objetivo questionar a naturalização da violência da mulher, pois, mesmo três jovens de diferentes escolaridades, familiaridades e prospectos de vida, tiveram o mesmo fim e nenhum de seus casos jamais foi solucionado.
Apresentando inicialmente a história de Andrea Danne, jovem estudante, que ao decidir ficar em casa ao invés de sair com o namorado, encontrou o terrível e inexplicável fim de ser apunhalada no peito, enquanto dormia em sua própria cama; A segunda jovem, Maria Luísa Quevedo, que ao não voltar da diária do seu primeiro emprego, levanta preocupações e acusações até ser encontrada estuprada e morta em um terreno baldio; A terceira e última, é Sarita Mundin, mãe de um filho pequeno, que tentava de todas as formas sustentá-lo e também ajudar a sua mãe que havia acabado de passar por uma cirurgia. Seus esforços para manter a família viva iam até mesmo contra os princípios do seu próprio corpo, que era utilizado para conseguir o dinheiro necessário para continuar vivendo. Um dia, a mesma sai com um amante mais velho e nunca mais é vista até um conjunto de ossos serem encontrados.
Diferentes cidades, modus operandi, assassinos e motivos, porém todos se voltam contra jovens mulheres que não imaginavam o seu fim. Fim esse, que teria sido esquecido como dezenas de outros casos de feminicídio foram esquecidos, já que a normalização da morte da mulher era recorrente na época. Sendo assim, é possível compreender porque Selva Almada, em minha opinião, é um pilar importante para a literatura que expõe a violência contra a mulher e que devia se tornar uma leitura obrigatória assim como os clássicos.
A autora cria uma obra que não permite que esses casos caiam no esquecimento e se tornem parte dos alarmantes números de casos contra o público feminino. A brutalidade dos atos descritos que ferem o leitor, são os mesmos atos que as meninas passaram. Almada faz o trabalho de retirar o véu de suas mortes, deixando escancarado o que o mundo fez com elas.
A estratégia de Almada é remontar às evidências dos casos, de modo que, em qualquer momento, é possível perceber como aquelas mortes poderiam ser destinadas a outras garotas. O que em parte sempre me lembrava os livros de thriller e policiais, mas dessa vez, não era só um faz de conta. Elas realmente morreram e, apesar de querer ajudar a encontrar o assassino ao fim do livro, ele nunca é realmente identificado.
E em momento algum ela deixa que o sentimento pessoal do leitor se distancie de suas palavras, quando existe uma brecha para se afastar das garotas mortas, a autora mescla suas próprias experiências vividas, como pedir carona em rodovias para chegar à cidade em que estudava e ter sido assediada em diversos casos, coisa que infelizmente, toda mulher já passou em algum momento, tornando impossível não se revoltar, não se conectar com as meninas novamente, imaginando que talvez – ou um dia – esse pode ser o seu nome escrito em um livro sobre feminicídio, o que torna a leitura do livro viciante e pessoal demais para se soltar.
Usando suas memórias para se assemelhar a história das garotas, o leitor consegue se sentir emocionalmente ligado a qualquer uma delas, dependendo de suas próprias histórias particulares. Um exemplo de relação emocional com o leitor, é como Almada abre o livro, com uma garota dona de um gato, dormindo, até que note que a gata pariu os filhos em sua cama. Logo após, uma cena com o pai, preparando churrasco em sua churrasqueira improvisada, a conversa simples sobre a gata estar escondendo os novos filhotes. O capítulo inicial é ordinário, dando espaço para que qualquer leitor se conecte à personagem de Selva Almada de alguma forma. Almada tem o poder de transcrever personagens – as mortas e as que ainda vivem – da realidade para as páginas do livro, sem deixar que um pingo do sofrimento e do descaso com essas mulheres não seja revelado, mostrando como suas vidas nascem encerradas num ciclo opressivo sem rota de fuga. Em Garotas Mortas, o destino tem uma única saída: a morte coberta de tragédia imutável e irreversível.