Por Carolina Cardoso
“É Assim Que Acaba” é um livro de 2016 da autora norte-americana Colleen Hoover. Famosa por seus romances arrebatadores com doses cavalares de realidade cruel, a autora buscou retratar temas controversos e dramáticos ao longo de sua carreira. Em “É Assim Que Acaba” não seria diferente, Hoover traz à tona parte de seu passado e da história de sua mãe nessa comovente narrativa sobre violência doméstica. Embora seus temas não sejam exatamente inovadores, seu modo de falar sobre eles definitivamente é. Com enorme sensibilidade e um talento ímpar para comover e envolver o leitor, Colleen nos introduz a história de Lily Bloom.
O livro começa como grande parte dos seus companheiros de gênero, temos nossa protagonista, uma jovem adulta, em um momento crítico de sua vida, encontrando-se inesperadamente com alguém intrigante e misterioso, Ryle Kincaid. Passamos toda a primeira parte do livro sendo enlaçados por esse romance tipicamente literário dotado dos mais variados clichês: pobre-rico, moreno sarcástico com passado duvidoso, ressalvas em admitir o que sentem, entre outros. Apesar da enorme possibilidade de o leitor já ter se deparado com algo parecido antes, Colleen tem um jeito único de nos envolver com sua escrita esperta e espirituosa e assim, mesmo já tendo lido sua sinopse e sabendo onde estamos nos metendo, nós nos identificamos tão profundamente com a personagem que a mágica de um bom livro acontece. Nós nos apaixonamos com ela quando tudo são flores, nós suspiramos e duvidamos com ela quando os ares parecem mudar e nós choramos com ela quando nos damos conta, já tarde demais, da verdade e das implicações dela.
Em determinado momento da trama, o relacionamento cor de rosa desenvolvido até então começa a mudar, e estando já tão envolvidos com nossa protagonista e suas emoções, chega a ser assustador o modo como nos percebemos tendo as mesmas dúvidas e pior, dando as mesmas desculpas que ela quando os comportamentos abusivos de Ryle começam a aparecer. É interessante destacar nesse ponto o fato de nossa protagonista ter crescido em um lar abusivo, onde o pai era extremamente violento com a mãe e por isso ter criado em si uma repulsa enorme, não só pela violência em si e pelo agressor, mas também pela passividade da vítima. Lily sempre acreditou que jamais seria como sua mãe, que jamais aceitaria o que ela aceitou e quando ela se vê exatamente na mesma situação e ademais, quando nós leitores nos vemos nessa situação, em que mesmo de fora, estamos assim como ela tentando justificar o injustificável, a genialidade dessa trama e dessa autora se tornam evidentes. A ironia cruel faz não só Lily questionar a si mesma e as suas crenças como faz o próprio leitor reavaliar seus posicionamentos.
É uma trama sofrida e dramática em sua essência, é um retrato da história de muitas mulheres e é uma lição para qualquer um que se dispuser a ler. Aqueles preocupados com o elevado nível de tragédias descritos até então, eis um bálsamo: Atlas Corrigan. O ex morador de rua e eterno primeiro amor de Lily, conhecido por nós apenas através dos antigos diários e flashbacks da jovem, aparece nos dias atuais como o renomado chef de cozinha de um promissor restaurante em Boston, além de estopim para alguns dos piores episódios de Ryle. Atlas é, acima de tudo, um ombro amigo para Lily em seus momentos mais sombrios e um respiro ao leitor devastado em meio a tamanha tristeza. Atlas é, ainda, a promessa de esperança que tanto nós quanto Lily precisávamos dados os eventos recentes.
Em suma, “É Assim Que Acaba” é por excelência uma história de amor, uma real, trágica e verdadeira história de amor, não de amor romântico, mas de amor-próprio. É sensível, maduro, arrebatador e, ainda assim, não chega nem perto do que é a realidade das milhares de mulheres pelo mundo que vivem em lares abusivos sem sequer um por cento do apoio que Lily tem. É uma lição para aqueles que se dispuserem a ler. É trauma, mas também superação; é dor, mas também esperança. É, por fim, um livro denso, difícil, do tipo que deixa o leitor absorvendo o que leu horas a fio, e que bom que seja assim. Esse não é um livro pra se esquecer.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)