Por Jullia Castro
Acredita-se que a pandemia de COVID-19 tenha sido algo não previsto e inesperado.
Entretanto, segundo a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Deisy Ventura, profissionais que pertenciam a essa área já estavam cientes da possível tragédia e alarmavam representantes políticos que, por sua vez, os ignoravam, posto que matérias políticas impopulares (aquelas não compreendidas como relevantes pela maioria da população) não trazem sustentação político-eleitoral ao agente eletivo e, desse modo, são secundarizadas.
No Brasil, essa conjuntura era ainda pior. No cenário da época, a figura representante máxima do país, o presidente, agravava a situação ao fazer propagandas de cunho negacionista e, assim, colocando a população em risco. Além de incentivar a não vacinação, a aglomeração e o não uso de vacina, desmerecia e fazia piadas sobre um dos piores períodos da história brasileira. Dessa forma, houve a sobrecarga dos profissionais e do sistema de saúde, o qual já tinha uma solução para a pandemia, porém, negada pelo governo unicamente por questões ideológicas.
Nesse documentário, o que mais me deu “embrulho na barriga” foi o fato de, gradualmente, as ideologias e falas do antigo presidente irem, de certa forma, matando a população brasileira, buscando remédios ineficazes e rejeitando vacinas e distanciamento social. E, o pior dos cenários, após duas demissões de Ministros da Saúde durante uma pandemia, expressiva parcela da sociedade ainda não enxerga o tanto de pessoas que poderiam ter sido salvas se tivéssemos seguido a ciência.
É incontestável a forma pela qual eram invertidos os valores durante esses anos. O retrocesso levou à morte de mais de 600 mil pessoas, até aquelas que se protegiam foram infelizmente afetadas por um governo genocida e irresponsável. Jair Bolsonaro, ao rejeitar inúmeras propostas de venda de vacinas, foi responsável por 400 mil mortes e parece que as pessoas não acreditam ou não querem acreditar nisso. É inadmissível que 81 e-mails envolvendo compra de vacinas tenham sido ignorados pelo Estado enquanto pessoas morriam pela doença nos hospitais.
O Brasil é o país no qual mais pessoas se vacinam no mundo. No entanto, devido a essa nova corrente de pensamento, complexificou-se essa cultura da qual tanto nos orgulhávamos, uma vez que o, então, representante de Estado, escolhido pelo povo em um momento de economia instável, incentivava a população a duvidar da ciência, de pesquisas e de professores.
O triste quadro de tornar-se aceitável morrer de COVID, mas ser inaceitável tomar uma vacina, por estar relacionada, erroneamente, a governos de esquerda ou comunistas, foi um subproduto da manipulação política do líder do Estado. A mentalidade de que é mais importante uma economia estável do que a saúde da população também foi resultado desse problemático governo inconsequente e operacionalmente incapaz de separar as ideologias conservadoras do que realmente era necessário para a saúde pública do país.
O pior, para mim, é a perda de sensibilidade e empatia pelo outro. O momento em que a morte se tornou motivo de piada ou algo relativamente marginalizado na agenda de prioridades dos políticos do país, já que investimentos financeiros e operacionais que não estejam atrelados aos interesses dos grandes grupos de sustentação do projeto político do Governo, em geral, vinculados ao grande capital produtivo e especulativo, viram discurso de vitimização da população.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)