“Cometerra”, Dolores Reyes

Por Julie Angel da Silva Dias

Cometerra é uma criança latino-americana que teve sua mãe brutalmente
assassinada em um crime cometido pelo seu pai. A menina e seu irmão Walter ficam
órfãos e após a tragédia eles passam a viver na companhia de alguns amigos. O
assassinato da mãe de Cometerra não é um caso isolado, uma vez que na América
Latina as mulheres são sistematicamente assassinadas, porém não são
sistematicamente protegidas como deveriam ser. A Cometerra tem o dom de
rastrear pessoas desaparecidas após comer a terra em que a pessoa pisou pouco
antes de desaparecer.

“Y cuando la policía dejó de buscarla entre los yuyos y las casitas, al
lado del arroyo, la busqué al borde del patio, en la tierra donde
paraba sus botas lindas para vernos jugar. Ya no sentía las ganas y
no sabía si todavía podía ver, pero pasaba las manos por la tierra
pensando en que ella no aparecía. No quería perderla. Pensaba en
la seño Ana viva. En la seño Ana riéndose. Entonces cerré el puño
tratando de que algo de ella se viniese adentro de mi mano, de mi
boca. ” (Reyes Dolores, 2019 p.15).

Em um dos primeiros capítulos da obra de Dolores Reyes, podemos ver que
Cometerra entra em ação quando a polícia falha ao deixar de procurar pela
Professora Ana que está desaparecida, ao comer a terra ela é capaz de ver
mulheres invisibilizadas, dar voz a mulheres silenciadas e enxergar aquilo que a
sociedade finge não ver, em um país em que todos os dias centenas de mulheres
são mortas por questões de gênero, não fechar os olhos para o feminicídio é um
dom. O poder da menina é também o motivo do seu apelido, Cometerra não diz seu
nome, mas é nomeada pelos demais. É importante ressaltar que a personagem não
fala sobre seu nome, desde o início da exploração da América Latina todos nós
fomos nomeados através da visão do outro, assim como aconteceu com Cometerra.
Em Cometerra nós nos deparamos com uma literatura que dá protagonismo às
mulheres que estão desaparecidas ou que foram estupradas, mortas e abusadas de
diversas formas, em um ciclo de violência que é orquestrado pelo estado e por uma
sociedade que se mantém apática em relação ao feminicídio. Por meio de uma
garotinha que é obrigada a carregar grandes responsabilidades podemos entrar em
contato com mazelas sociais que costumamos ignorar, mas que atravessam a nossa

história de diversas formas, uma vez que essas mulheres ocupam os subúrbios de
toda América Latina, essas mulheres são nossas mães, nossas amigas, nossas
professoras, nossas tias, nossas madrinhas, etc. Em sua obra, Dolores Reyes
mostra com maestria a ferida da violência que faz muitas mulheres sangrarem todos
os dias e também aponta a necessidade de nos reinventarmos e buscar por justiça.

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