Por Maria Carolina de Souza
A Última Tragédia é um romance de Guiné-Bissau que acompanha a trajetória de três personagens diferentes durante o período colonial: Ndani, o Régulo e o Professor. É marcado sobretudo pela sua reescrita da história nacional a partir do olhar do colonizado e também pelo uso de termos do crioulo guineense, junto de um glossário ao final.
Ndani, protagonista do romance, é uma nativa que parte de sua terra natal até a cidade de Bissau em busca de servir numa casa de brancos a fim de fugir da sua realidade anterior de solidão. Quando criança, um “Djambakus” (curandeiro, feiticeiro) havia vaticinado uma sucessão de tragédias na sua vida por conta de um espírito maligno, e por isso as pessoas que a conheciam preferiam se afastar. Durante alguns anos, ela trabalha na casa de Dona Maria Deolinda, uma engajadora da catequese e alfabetização dos nativos, e mantém um olhar crítico e analítico sobre seu senhorio.
O Régulo é um homem de autoridade em sua região que trata diretamente com o Administrador colonial. A sua tese é a de que é preciso pensar para lidar com o sofrimento imposto pelos homens opressores para que se possa usufruir da liberdade. Assim, ele se lança a tentar escrever um testamento delineando os passos para a mudança de seu povo.
Já o Professor, um homem simples, é um assimilado que, convidado para escrever o testamento do Régulo, começa a questionar o seu próprio lugar na máquina imperialista. Ele procura por respostas para perguntas complexas (como por que a Igreja não faz nada diante de tamanho sofrimento) e encontra o amor como fonte de uma alegria que não pode se dissipar.
As histórias desses três personagens se entrelaçam para contar a história da nação de Guiné-Bissau, contando a dor e a tragédia de ser explorado pelo sistema colonial. Com um estilo repleto de ironia e melancolia, o autor criou uma narrativa envolvente que nos leva a imergir nos sentimentos dos personagens ao mesmo tempo que levanta reflexões sobre questões sociais, religiosas e de gênero. As alegorias, imagens e símbolos construídos são muito bem trabalhados para olhares atentos, como as cenas do mar e os relatos de violência. Essa leitura é altamente recomendável para quem gostaria de se aproximar das literaturas africanas e não sabe por onde começar, bem como para aqueles que gostam de ver a literatura como forma de pensar a própria realidade.