“A Morte em Veneza & Tônio Kroeger”, Thomas Mann

Por Vitor da Hora¹ e Edgard Corteletti¹

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“A MORTE EM VENEZA”

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A Morte em Veneza é uma novela escrita pelo autor alemão Thomas Mann, publicada originalmente em 1912. Mann nasceu em 1875, no então Império Alemão, filho de um senador alemão e de uma escritora brasileira. É considerado um dos maiores escritores do século XX, tendo sido laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1929. Por conta de sua ferrenha oposição ao Nazismo, Mann se exila da Alemanha em 1933, indo primeiramente para a Suíça e depois se fixando nos Estados Unidos em 1938, onde permaneceu por 14 anos. Regressou à Suíça em 1952, onde viveu até sua morte, três anos depois. Suas obras mais célebres certamente são os romances Os Buddenbrooks (1901) – de inspiração semibiográfica que narra a história de uma homônima família burguesa em decadência – e o clássico A Montanha Mágica (1924), no qual faz um retrato da Europa no contexto que antecedeu a I Guerra Mundial; Morte em Veneza também é uma de suas publicações mais famosas, tendo inclusive sido adaptada para o cinema em 1971, em um longa-metragem dirigido pelo cineasta italiano Luchino Visconti – o filme foi premiado no Festival de Cannes, além de ter sido indicado à Palma de Ouro e a um Oscar de Melhor Figurino.

A novela narra a história de um conceituado escritor alemão de meia-idade, Gustav von Aschenbach, que, em uma viagem para a cidade italiana de Veneza – que vive uma epidemia de cólera abafada pelas autoridades – se apaixona por um jovem e belo rapaz polonês (Tadzio) que está hospedado no mesmo hotel que ele. Além de seus sentimentos pelo adolescente, Aschenbach é atormentado por um bloqueio criativo e, para sua felicidade, uma série de imprevistos o fazem estender sua estadia no hotel. A paixão de Aschenbach por Tadzio é estritamente platônica, visto que os dois não chegam nem a dialogar ao longo do livro – e quando o primeiro contato direto dos dois está prestes a se consumar, ocorre o desfecho que dá título ao livro.

Apesar do enredo ter uma temática inerentemente homossexual, pode-se considerar que o tema é trabalhado de maneira implícita, visto que há não há uma relação amorosa consumada entre os dois personagens, e que a paixão do protagonista pelo rapaz também costuma ser interpretada como um sentimento de inveja por sua jovialidade – também sendo possível observar o caráter pouco saudável, predatório e obsessivo, de uma paixão platônica
marcada por uma grande diferença etária entre as partes. A forma direta com a qual Mann aborda uma paixão homo afetiva pode estar relacionada com a liberalidade com a qual a Alemanha tratava homossexuais – o auge da aceitação foi na República de Weimar (1918-1933), que viria a ser interrompida com a ascensão do Nazismo – e com o fato de que o próprio era bissexual, mas não deixa de ser vanguardista para uma publicação do início do século XX. Além da questão da sexualidade, é possível traçar outros paralelos entre Mann e o protagonista, a começar pelo fato de ambos exercerem com prestígio o ofício da escrita. O texto, apesar de curto, é bastante denso e ambíguo, graças a sofisticação da escrita de Mann, provocando diversas reflexões no leitor ao longo da leitura. Morte em Veneza cativa o leitor ao tratar da antítese entre juventude e envelhecimento, e por tratar, mesmo que indiretamente, de homoafetividade em modo precursor considerando o contexto histórico no qual foi escrito – sendo uma excelente porta de entrada para desbravar a obra de um dos mais célebres escritores da contemporaneidade.

¹A resenha de “A Morte em Veneza” foi feita por Vitor da Hora.

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“TÔNIO KROEGER”

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A leitura da obra começou-me despretensiosa, mas me abraçou de forma tal que senti a necessidade de compartilhá-la. Esperava por uma leitura possivelmente densa por se tratar de um clássico da literatura alemã do início do século XX, mas o que encontrei foi de uma leitura tão fluida, daquelas que não se quer parar de ler até acabar, e que ocorreu muito naturalmente.

O protagonista da obra também leva seu nome, Tônio Kroeger (ou Tonio Kröger). Trata-se de um rapaz filho do Cônsul Kroeger, homem muito respeitado na cidade, e de uma mulher estrangeira de terras do sul chamada Consuelo, que toca piano e bandolim, e é percebida pelo filho como negligente e irresponsável, no que ele considera a postura severa de seu pai mais digna, especialmente no que tange à postura diante da criação do menino. No que se refere à origem da mãe do personagem, parece haver uma clara referência à vida pessoal do próprio autor, Thomas Mann, que era filho de uma mulher brasileira.

Tônio Kroeger nutre interesse por repuxo, uma velha nogueira, seu violino, o mar, especialmente o mar Báltico que podia desfrutar nas férias, e, principalmente, Hans Hansen, um rapaz de espírito alegre, que além de belo, era um excelente aluno, que montava a cavalo, fazia ginástica, nadava como um herói e era bastante popular entre os professores e os demais cidadãos da pequena cidade.

Tônio, contudo, diferente do seu admirado Hans, não era popular entre os professores nem entre os demais cidadãos. Na verdade possuía notas baixas na escola, e tendo sido descoberto que ele escrevia versos, fora mais uma mancha à sua reputação diante da sociedade da época e lugar. O tabu era tal que o próprio menino considerava um comportamento extravagante e inconveniente, tendo mantido em sua vida íntima, um hábito secreto enquanto pôde.

Destarte, Tônio nutria inveja de Hans por seu excelente histórico e prestígio diante dos demais, e, paralelamente, também o amava. O amado aparenta correspondê-lo apenas a nível de amizade, quando a sós lhe sendo íntimo e cativante. Contudo, mudava sua postura diante de terceiros e até, de certa maneira, passava a desprezar as características de Tônio, que desejava que Hans o amasse como ele era, com suas imperfeições e peculiaridades.

No segundo ato da obra já nos é apresentado um Tônio Kroeger adolescente, aos seus dezesseis anos, e agora apaixonado por Inge, Ingeborg Holm, filha do Dr. Holm, que morava na Praça do Mercado. Inge não parecia corresponder aos sentimentos do rapaz e este ainda passara por uma humilhação diante da mesma. Nessa situação, Tônio decide ser fiel à sua amada por toda a vida, concomitantemente temendo ter esquecido de Hans. Em certo momento, contudo, percebe a fidelidade como algo impossível e dá de ombros, decidindo seguir a vida.

De repente o terceiro ato, e o mundo de Tônio parece desabar. Sua família cai numa ruína financeira com a morte de sua avó paterna, a matriarca e cabeça da família, sendo logo seguida pelo Cônsul Kroeger, que também veio a falecer. O cenário, agora, então, era da tradicional casa da família à venda, bem como a firma familiar sendo extinta. A mãe, Consuelo, a quem, pela visão do narrador, tudo parecia indiferente, no passar de um ano casou-se com um músico italiano e mudou-se.

Decidiu-se Tônio Kroeger, também, a se mudar, tendo vivido em cidades do sul, onde experimentou de aventuras sexuais e com isso sofria, indo de confronto às suas crenças espirituais. Levava uma vida que julgava extravagante, dissoluta e esquisita. Contudo, essa mudança possibilitou que seu trabalho enquanto literato fosse finalmente reconhecido, e seu nome pela primeira vez visto como sinônimo de excelência. Trabalhava por paixão, e desprezava os que considerava que assim não o faziam.

“E rapidamente seu nome, aquele mesmo nome pelo qual era chamado com repreensão pelos professores, o mesmo com o qual assinara suas primeiras rimas à nogueira, ao repuxo e ao mar, este som composto do sul e do
norte, este nome burguês, com ares exóticos, tornou-se uma fórmula que indicava excelência; pois à dolorosa minúcia de suas experiências se juntava uma rara, tenaz e ambiciosa atividade que, em luta com a irritante dificuldade de contentar o seu gosto, sob fortes tormentos, produziu obras fora do comum.”

(MANN, Thomas)

E assim se apresenta a história em seus três primeiros atos, sendo composta por um total de nove, o que pode dar uma ideia de como se desenrola em uma trama cheia de reviravoltas dividindo-se em diferentes épocas da vida do protagonista, sendo excelente para a percepção de suas mudanças, a evolução da personagem – como os acontecimentos de sua vida a moldam e diferenciam das fases anteriores. O que se pode esperar, dessa maneira, é uma obra muito bem escrita, que acompanha a vida da personagem protagonista e suas respectivas guinadas e reveses, numa viagem, que mais do que física, é de autoconhecimento e muitas reflexões acerca de si, do seu trabalho e do mundo.

²A Resenha de “Tônio Kroeger” foi feita por Edgard Corteletti.

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