Biblioteca feita onde existia presídio chega a trinta mil sócios e integra comunidade local
Construída sobre o local onde existiu o infame presídio do Carandiru, a Biblioteca de São Paulo coleciona muitas histórias de inclusão social. A prisão, também chamada de Casa de Detenção de São Paulo, chegou a abrigar mais de oito mil presos, até ser fechada, em 2002. Inaugurada em fevereiro de 2010, a biblioteca soma hoje 30.600 leitores cativos, sócios de carteirinha.
“Hoje as comunidades das favelas próximas são as nossas maiores frequentadoras”, disse Cauê Madeira, coordenador de projetos da biblioteca. Segundo Cauê, em maio foram emprestados 6.800 livros. A biblioteca recebe 700 pessoas por dia de segunda a sexta, chegando a 2.500 nos fins de semana. O conceito é o chamado “biblioteca viva”, inspirado em experiências chilenas e colombianas. “As regras de silêncio são menos rigorosas e os livros são dispostos como se estivessem em uma megastore, a fim de estimular a curiosidade do leitor”, disse Cauê.
Até ex-detentos estão frequentando o local. “Um deles nos procurou e contou sua história e sobre como estava feliz por ver o local onde ele sofreu como prisioneiro de 1989 a 1995 transformado em um local de cultura e lazer.” O acervo conta com farto material para portadores de deficiências. “O leitor de destaque do mês de maio é um cego que retirou 22 audiolivros”, ressaltou o coordenador.
Muitas pessoas vão ao local para usar a internet gratuita, e os mais jovens para jogar games em rede. A estratégia para torná-los leitores de livros, segundo Cauê, é atraí-los usando a própria web. “Criamos blogs onde interagimos diretamente com a comunidade, e o retorno é tremendo.”
Os estudantes Ednaldo Lima, de 14 anos, Paulo Henrique e Jonas Gabriel, de 11 anos, são exemplos. “Vínhamos para jogar games, mas hoje lemos livros também”, disse Ednaldo, que gosta das histórias do bruxo Harry Potter, um dos livros mais emprestados do acervo. Vitória Regina, de 10 anos, já deixou os games e prefere assistir a filmes ou ler quadrinhos. “Meus preferidos são os da Barbie”, disse.
Já Otávio Júnior, de 27 anos, autor do livro “O Livreiro do Alemão”, é um leitor voraz. “Meu livro conta a história de como a paixão pelos livros me tornou um promotor de leitura no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro.”
Biblioteca transforma vida de moradora de rua soropositiva
“Aqui voltei a me sentir um ser humano. Me beijaram no rosto pela primeira vez em meses.” O relato, chocante, veio molhado em lágrimas de tristeza, mas também de gratidão. A Biblioteca de São Paulo é muito mais do que um local de lazer e cultura para Rosana Aparecida Gibiluka, de 31 anos.
A vida de Rosana é um rosário de histórias de violência e abandono, ora morando de favor e ora vivendo nas ruas, trabalhando em subempregos ou praticando pequenos delitos. Moradora de rua desde os 9 anos, Rosana é ex-usuária de drogas, soropositiva há três anos e perdeu a guarda da filha de dois anos por viver em um albergue da Prefeitura.
“Depois que eu fui para a rua, perdi muitos valores, inclusive o de ser bem tratada. Aqui me tratam bem, me dão bom dia, falam comigo. Na rua me tratam feito lixo”, contou. Ela conheceu a biblioteca por acaso, em abril de 2010. Sem poder ficar no albergue durante o dia, entrou para conhecer. Resolveu fazer a carteirinha de sócia e começou a ler livros e utilizar a internet.
“Eu era contraventora. Trabalhava como apontadora de jogo do bicho, mas saí desse emprego”, disse Rosana. Desde que frequenta a biblioteca já fez um curso de garçonete e vai começar um de operadora de telemarketing. “Espero arrumar um emprego logo e tomar a guarda da minha filha”, disse.
Rosana é fã de livros espíritas, principalmente os do médium Chico Xavier e já leu ao menos doze nos últimos meses, além de dezenas de outros títulos de categorias diversas. Seu favorito, porém, é a autobiografia de Nelson Mandela, “Longo caminho para a liberdade”. “Me encantei por ele, pelas ideias dele e pela maneira como ele lutou pelo povo”, falou.
“Só estudei até a quarta série. Quero voltar a estudar, crescer. Meu sonho sempre foi fazer direito. Acho uma profissão linda” conta. “E em sonhar de novo a biblioteca tem me ajudado muito.”
Fonte: Diário de São Paulo
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