Por Victória Rodrigues
Ilustração da Editora Sextante para o lançamento do livro.
🚨 ALERTA: ESTE LIVRO POSSUI GATILHOS E CONTEÚDOS SENSÍVEIS COMO ABUSO SEXUAL E VIOLÊNCIA 🚨
Há um ano, Ignatius Perrish perdeu sua namorada, vítima de estupro e assassinato, e foi acusado de ser o maior suspeito do crime. Encarando a realidade de ser julgado por muitos de uma forma inusitada, Ig acorda com chifres — como o Diabo — pela manhã após uma noite de bebedeira. E se não bastasse isto, eles revelam um poder em que todas as pessoas contam seus comentários mais sinceros e suas verdadeiras intenções a ele, assim como conseguem descobrir os maiores pecados ao tocar nos outros. Este poder, até então, não tem explicação, mas Ig passa a descobrir mais do que os segredos, é revelado por meio de suspense e frieza muito bem feita, a verdadeira história do assassinato de Merrin, sua namorada, assim como o porquê, de até então, não ter explicação.
Joe Hill, autor de “O Pacto” (2010), construiu um suspense ficcional de forma excelente, que prende o leitor do começo ao fim. Talvez, para alguns leitores, a ideia de um enredo ficcional em que um jovem adulto aos vinte seis anos tenha um par de chifres seja bizarra demais, mas Hill constrói uma narrativa em que contém muita realidade, com muita riqueza nos personagens que os tornam reais. Além do mais, o autor utiliza muito bem questões psicológicas e sociológicas, também a humanidade na sua maior essência: os pecados capitais. E todos os personagens possuem um pouco de cada um, possuem pecados que os transformaram. Hill expõe seu talento no terror, suspense e ficção com uma maestria familiar, e com inovações fantasmagóricas que questionam a real fantasia na obra. Afinal, o Diabo não fabrica emoções, ele revela o que cada um tem dentro de si.
Personagens como o irmão do Ig, Terry, e sua família, seus colegas e inimigos possuem questões humanas reais a ponto de serem interessantíssimos de acompanhar, como a inveja, a maldade, a manipulação psicológica, a solidão, os traumas e seus impactos na vida desses jovens, são uma das principais vertentes que os compõem. E Ig é um dos personagens que, diferentemente das obras ficcionais, não está na trama como um personagem principal genérico. Ele é visto como um homem gentil, bondoso e que definitivamente não mataria sua namorada, embora tenha tido uma discussão acalorada antes de perdê-la. É por meio deste personagem que a obra é construída, é narrada em terceira pessoa e relacionada com o ponto de vista dele. Ig, possui defeitos e nenhum afinco com o heroísmo, é o Diabo que se manifesta a ele, mas mesmo assim, ainda com muita humanidade. Diria que Ig se torna o Diabo consciente, que ao aplicar o pecado às pessoas, apenas desperta o verdadeiro ‘eu’ nelas. É pelo pecado que as pessoas se tornam reais, que realizam seus desejos, e Ig abusa disso. Mas não consegue despertar seu poder no real assassino de Merrin. Sendo uma das questões mais desafiadoras do personagem e da obra.
Terry, seu irmão mais velho, famoso e bem-sucedido, é o personagem mais sincero e honesto consigo mesmo, assim como bom amigo para o irmão. Mas possui um vazio, uma necessidade de preenchimento, como uma melancolia, mesmo tendo conquistado muito no mercado profissional. Lee Tourneau é o sujeito mais complexo e humano, possui uma história bem construída e misteriosa, e também, sem dúvida, é o personagem mais assustador da trama. Assim como Terry e Lee, a obra narra, na visão dos personagens, um pouco sobre acontecimentos e pensamentos que tiveram no passado, e serve de gancho para suas explicações, assim como suas impressões com Merrin Williams, que teve sua vida tirada jovem e na flor da idade. Merrin amava verdadeiramente Ig e juntos eles possuíam um relacionamento saudável e duradouro, com quem desejava construir um futuro, este, interrompido por quem mais confiavam, fruto de um pecado sobre-humano, pecado tão ruim que assusta o próprio Diabo.
A obra por si só possui um enredo interessante, cercado de mistérios e segredos revelados que fornecem as informações que o próprio leitor questiona. É viciante descobrir mais sobre as reais intenções dos personagens e mergulhar em uma realidade cercada de cobras, crucifixos, segredos e maldade. É forte e seu conteúdo contém cenas e situações que podem ocasionar gatilho e incômodo, por isso, é necessário cautela e, vezes ou outra, parar e respirar sobre uma realidade que é dura demais até para encontrar na literatura. É mergulhar em uma realidade nada generosa, cruel e sem amor e saber encarar seus medos ou, quem sabe, encará-los sendo o próprio Diabo. Talvez esta seja a maneira de vencer a realidade no fim das contas.
O livro “O Pacto” está disponível na Biblioteca da Minerva. Código de rastreio: <https://minerva.ufrj.br/F/FPA9LGP5LRXC8DPECG2X5U2VULV4MRUA549REDS6PPE8YN2Q2Q-22035?func=item-global&doc_library=UFR01&doc_number=000879494>
Referência:
HILL, Joe. O pacto. Tradução de Bárbara Heliodora e Helen Potter Pessoal. Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2010.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)