Por Claudia Bacelar
Lançado em 2002 pelo renomado cineasta espanhol Pedro Almodóvar, “Fale com ela” possui uma narrativa bastante polêmica nos dias atuais, envolvendo desejo, obsessão, ética e identidade. Cada um de seus personagens mostra que possui um problema interno, íntimo, escondendo uma fragilidade pessoal por trás de suas aparências.
A história gira em torno de Benigno, que passou 15 anos de sua juventude cuidando de sua mãe doente e acaba por se tornar enfermeiro. De seu apartamento, Benigno ficava olhando as aulas de balé de uma academia em frente, em especial, uma bailarina de nome Alícia, que, após um sério acidente de carro, fica internada em estado de coma no hospital em que ele trabalha. Como Benigno era enfermeiro exemplar no hospital, o pai de Alícia acabou contratando-o juntamente com outra enfermeira para que sua filha tivesse companhia de cuidadores por 24 horas ao dia. Benigno, que se sentia atraído por Alícia da janela de seu apartamento, vai desenvolvendo um afeto cada vez maior por ela, que permanece inconsciente, e com quem compartilha suas vivências, mostra fotos, lê revistas e a coloca sentada na varanda do quarto para sentir o ar puro. Bastante cuidadoso, o enfermeiro também faz as unhas de sua paciente, cuida do seu cabelo e de sua maquiagem. Nas cenas em que ele lhe dá banho, não aparece qualquer tipo de abuso por parte do enfermeiro, mas o diretor realça a sensualidade do corpo de Alícia.
Outra história corre paralelamente e conta sobre um casal de toureiros que está se separando. Ela, Lydia, muito famosa, se envolve com um jornalista, Marco, que, por sua vez, passou por uma desilusão amorosa recente. Toda a trama vai acontecendo de forma não linear, com trechos acontecendo fora da ordem cronológica e mostrando os aspectos mais frágeis dos personagens e do ser humano. Até que uma tragédia ocorre durante uma tourada e, após ser atingida por um touro, Lydia é levada em estado de coma para o mesmo hospital onde Benigno trabalha. Marco fica com ela no hospital e acaba por fazer amizade com Benigno. Este o aconselha a conversar com a paciente, pois acredita que, apesar do coma, a paciente é capaz de ouvir e perceber o que acontece ao seu redor.
Os meses passam até que o hospital descobre que a paciente em coma, Alícia, está grávida. Benigno é acusado e preso e, apesar do ato criminoso e vergonhoso cometido, Marco vai até a prisão visitar o amigo.
O filme é todo mesclado com apresentações de dança dramática, trecho de filme de cinema mudo, aparição de Caetano Veloso cantando em espanhol, fundo musical com a voz de Elis Regina durante a tourada, cenas que fazem aguçar a nossa percepção sensorial em relação aos personagens.
Além de mostrar que todos temos problemas, a película aborda temas do dia a dia, como preconceitos, relacionamentos e traumas de cada um, que influenciam a nossa caminhada no mundo e afetam a vida das pessoas à nossa volta. Além disso, o filme traz um alerta ao abordar um triste aspecto presente em nossa sociedade e com o qual esbarramos nas notícias de jornal: o abuso de pessoas vulneráveis por pessoas que deveriam carregar a obrigação de cuidar e proteger.
Ilustração por Isaura da Hora Silva
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)