Por Victória Fragoso
Uma obra considerada polêmica para a Inglaterra do século XIX, “O retrato de Dorian Gray” é uma produção cativante e provocadora, podendo suscitar questionamentos e indagações acerca de nossa existência, abarcando discussões calorosas referentes à moralidade, considerando a sociedade inglesa daquela época.
Destarte, as primeiras páginas do livro já nos fazem crer na beleza singular e formosa do protagonista, Dorian Gray. Sua beleza opulenta encanta o pintor Basil Hallward, responsável por criar um retrato fidedigno do rapaz que, até então, desconhece sua natureza cativante e distinta. Ao se deparar com o retrato finalizado, o jovem abastado se enamora por si mesmo, assim como Narciso se apaixonou por sua própria imagem refletida no lago. Esse fascínio arrebatador, o faz, em um ato irracional, declarar seu fervoroso desejo de conservar o seu semblante jovial pelo resto de sua vida. Em outras palavras, Dorian Gray sela um pacto e vende sua alma em troca de uma “aparência imortal”.
Dorian, outrora retratado como um rapaz crédulo e ignorante acerca de sua beleza, gradualmente, transforma-se em um indivíduo malicioso que tem a sua feição de menino como o seu objeto de maior valor. Sendo um homem “desalmado”, ele torna-se escravos de seus prazeres e das paixões humanas, mostrando-se cada vez mais insaciável e cruel. Se, por um lado, o seu semblante permanecia intacto quanto às marcas do tempo, por outro, o retrato, que uma vez fora digno de apreciação, converte-se em uma imagem hedionda e feia, retratando o estado corrupto e depravado de sua alma.
O retrato é um reflexo nítido das camadas densas de perversidade dos atos do protagonista e, ao estar de frente a esse “espelho”, Dorian o despreza veementemente e anseia por sua destruição, para que possa se deleitar com seus pecados sem defrontar-se com as consequências de sua conduta nefasta.
No decurso da trama, o protagonista traça uma perigosa e íntima amizade com Lorde Henry Wotton, um pseudointelectual que emite excêntricos e enigmáticos pareceres. Esse personagem, dotado de fortes opiniões, pode ser interpretado como uma figura enganadora. Responsável por ludibriar seu amigo, Lorde Henry alimenta uma imagem falsa e ilusória de um mundo exterior que não suporta olhar para si, tal como Dorian não admite enxergar sua feiura interior, tentando se esconder de seu próprio ser.
A narrativa é caracterizada por um final sublime e único. Oscar Wilde, a partir de um enredo intrigante, conseguiu elaborar uma crítica à Inglaterra vitoriana que não tolerava sua própria feiura e se escondia sob um véu tipicamente moralista. Contudo, seria necessário mergulharmos na vida privada do autor para entendermos melhor a crítica presente nas entrelinhas da trama. Em suma, ao final da leitura, somos capazes de entender a razão pela qual “O retrato de Dorian Gray” configura-se em um dos clássicos da literatura inglesa.