Livros sobre Escrever Livros

Por Oliveira Cony

Livros são a melhor forma de se comunicar com pessoas muito mais inteligentes do que nós, tendo acesso a uma paciência tamanha que elas repetirão infinitas vezes a mesma coisa, até que entendamos.

Claramente, como existem livros demais no mundo, e livros que ensinam sobre todo tipo de assunto, é lógico que existam aqueles que, metalinguisticamente, ensinam-nos a escrever. Nisso, estou excluindo os livros gramaticais e de alfabetização, e estou falando daqueles que nos ensinam de fato sobre a arte literária e o processo da escrita, passando pelas dificuldades de tal ato. Aqui falarei de alguns desses livros e dissecarei se as dicas que eles nos fornecem são boas ou não, e para que tipo de escritor eles se dirigem. Apesar disso, os livros aqui descritos são recomendados, e todos são destinados a um público que ainda está começando a escrever.

A primeira coisa que alguém que começa a escrever precisa saber é que a ideia de que “não se ensina a escrever, escritores nascem assim” é balela. James Scott Bell, que mencionarei duas vezes aqui, chama isso de “The Big Lie” (A Grande Mentira), e o entendimento de que sim, você pode aprender a escrever, e de que existem métodos para se aprender, é o primeiro passo que você deve ter para escrever bem. É claro que publicação e reconhecimento são frutos de esforços, mas também da sorte, e ninguém negará essa aleatoriedade, mas com esforço podemos mitigar esse fator azar, além de que você escreverá bem melhor, seja publicando ou não.

De certa forma, esta crítica é destinada, bem como os livros em si, para os autores que estão começando a escrever e se aventurar pelo mundo da literatura, bem mais do que para aqueles que leem casualmente. Em certa medida, eles podem ser aproveitados por todos, mas, com exceção talvez do primeiro, são tão informativos que podem ser desinteressantes para quem não possui pretensões literárias. Dito isso, passemos para nosso primeiro livro.

“Sobre a Escrita”, de Stephen King

Este é, possivelmente, o mais famoso e popular livro sobre a arte de escrever que existe (e é de autoria de um dos autores mais famosos e populares que existem). Este livro possui duas facetas sobre o escritor Stephen King, uma sobre sua vida pessoal e outra sobre sua vida profissional, mas ambas ligadas à sua profissão de escritor.

A primeira e a terceira parte do livro são histórias da vida de King, sobre sua infância, sua adolescência e sobre um acidente que ele sofreu pouco antes de terminar “Sobre a Escrita”. Nesses aspectos, o livro é bem intimista e conta as coisas da vida de King que, retrospectivamente, ele percebeu que foram de vital importância na formação de sua pessoa escritora.

Uma das mais importantes metáforas que ele usa nessa parte intimista do livro é a da caixa de ferramentas. Imagine uma caixa de ferramentas daquelas com vários andares (as de pessoas ricas americanas, normalmente vermelhas, que se abrem com a maior variedade de instrumentos exóticos). Na primeira camada desta caixa, aquela visível sempre que você a abre, estão as ferramentas mais importantes e cotidianas de um escritor: o vocabulário e a gramática. Na segunda gaveta, nós temos os Elementos do Estilo (ele está fazendo referência a outro livro, que curiosamente será o seguinte que abordarei nesta resenha, então não falarei nada da segunda gaveta agora).

Quando ele diz vocabulário, King não está dizendo que devemos ter um domínio do vernáculo (em nosso caso, lusitano) para escrever. De fato, ele diz justamente para não falarmos “frígido” quando pudermos dizer “frio”, pois o elitismo é inimigo da boa escrita. O que King está dizendo é que o feijão com arroz do escritor é um bom conhecimento da gramática e da escrita. Ter um bom vocabulário garante ao escritor passar exatamente a mensagem que está querendo, poupando-se de frases longas e chatas. Por exemplo, eu poderia dizer “King escreve de uma forma sucinta, mas com certo caráter de comédia, como se estivesse tentando ser informal ao mesmo tempo que nos ensina”. Apesar disso, é muito mais interessante dizer “King é sucinto e sério, mas descontraído e jocoso”. 

Nesse aspecto, as dicas que King nos dá são fundamentais para aprendermos a nos entender como escritores. Desconfie de quem diz “não faça isso, faça aquilo”, pois a doutrina é inimiga quase sempre. King nos dá as ferramentas para entendermos a escrita, e isso é o mais precioso de sua obra. Nos ensina a olhar para um diálogo e avaliar se ele está bom ou é artificial, por exemplo, e não nos dá um roteiro de diálogo. Em um livro curtíssimo, ele consegue passar muita informação, e isso é um dos maiores méritos de “Sobre a Escrita”.

Por outro lado, algumas das dicas óbvias, mas nada intuitivas, são ditas em alto e bom tom pelo autor: “Elimine a voz passiva, extermine os advérbios, corte o desnecessário”. Sendo assim, é um livro incrível para quem nunca se aventurou na teoria da escrita. As partes do livro que falam sobre a vida de King, sobretudo a inicial do livro, serão muito mais interessantes para quem já tiver apreço pelo leitor, e para quem não o conhece bem, pode ser maçante e sem graça. Para essas pessoas, recomendo que leiam o capítulo “Caixa de Ferramentas” e a segunda parte do livro, apenas. Tirarão muito proveito dessa jornada.

Por fim, algo importante a se dizer é que King nos conta apenas sua experiência, e não necessariamente suas dicas serão apreciadas por todo mundo. A melhor e mais importante dica é: saiba diferenciar bons conselhos de maus conselhos. Claro que um dos maiores escritores de todos os tempos terá poucas dicas ruins, mas pode muito bem ser que alguma das coisas que King esteja falando apenas não funcione para você, porque você é uma pessoa diferente do autor. Isso não quer dizer que você deva apenas fazer o que quiser, e sim pensar um pouco e, pelo menos, considerar o que esses grandes livros te dizem. Para um escritor experiente, pode ser que “Sobre a Escrita” não traga muitas informações novas — a não ser a vida pessoal do autor — mas com certeza é um começo fantástico para todos os tipos de autores novatos.

A única coisa que peço para você ignorar categoricamente nessa leitura é a opinião de King de que “é possível transformar um leitor medíocre em bom, e um bom em excelente, mas não um ruim em medíocre e nem um excelente em genial”. Não existem gênios, mesmo aqueles com muita facilidade, não fariam nada sem esforço. Você consegue.

“Os Elementos do Estilo”, de William Strunk Jr. e E.B. White

Este livro é obrigatório para os escritores em língua inglesa (e, ainda assim, muito útil para nós lusitanos). Originalmente, foi escrito por William Strunk, no início do século XX, mas tem recebido atualizações ocasionalmente, o que, na verdade, tornou o livro muito distante do que ele era em 1930, e atualíssimo para os novos escritores do século da informação.

“Os Elementos do Estilo” traz uma série de dicas para novos escritores, sobretudo em questão de como escrever de forma a ser prazerosa a leitura (ou seja, aqui você não verá dicas sobre narrativa, descrição ou desenvolvimento de personagens). A edição mais nova é dividida em 5 partes, sendo a quinta a mais importante para ser “revista” infinitas vezes durante o processo de se aprender a escrever. O livro é curto (menos de 100 páginas, qualquer versão) e, portanto, ele é de fato um manual do escritor, direto ao ponto, mas certeiro.

Por mais que seja escrito e voltado para a escrita inglesa, 80% do que o livro diz é transposto facilmente para o português. Regras como “use a voz ativa” e “evite estrangeirismos” são comuns para todas as línguas, então você irá se beneficiar muito da leitura. No geral, sou contra manuais e conselhos do tipo “faça isso, não faça aquilo”, mas aqui abro uma digna exceção. Por mais que não sejam regras imóveis e inexoráveis, todas as dicas deste livro são úteis e, em certo ponto, óbvias.

É um erro muito comum de principiantes gastar mais palavras do que o necessário. É claro que, em uma literatura de época, em um discurso, um trecho especificamente poético ou situações do tipo, é muito comum gastar linhas para dizer algo que poderia ser dito em 2 palavras. Sobretudo quando se trata de timing, às vezes uma frase longa é necessária, mas isto são casos, não a regra. Queremos frases mais simples, ideias diretas, sem enrolação, sem adjetivos e advérbios desnecessários o tempo todo. Isto é óbvio, não acha? Então, por que tantos autores cometem esse exagero?

A verdade é que “Os Elementos do Estilo” é um tapa na cara dos autores iniciantes que acham já saber tudo sobre o que é preciso saber. São dicas rápidas, expressivas e importantes que devem ser lidas com calma e revisitadas de vez em quando, portanto, é um livro ótimo para começarmos a aprender. Verás que em outros livros, ou blogs, vídeos e podcasts, as mesmas dicas são repetidas o tempo todo. Não é que elas sejam óbvias e só você não sabia, é que todos estão copiando as regras deste livro. Depois de calejado, pode deixá-lo em sua estante para descansar, mas até lá ele será uma ótima companhia.

“Roteiro e Estrutura”, de James Scott Bell

O conceito que guia o livro é a sigla inventada por Bell, LOCK (Lead ou Protagonista, Objective ou Objetivo, Confrontation ou Confronto e Knockout ou Nocaute). Todo livro deve ter um protagonista simpatizante (não necessariamente simpático), de forma que os leitores se identifiquem com a história. Em narrativas de mais de um protagonista, pelo menos um deles deve ser identificável com cada tipo de leitor, o que nos dá mais margem para invenções.

Todo bom livro também precisa de Objetivo, pois não só o objetivo nos faz simpatizar com o personagem principal, como também nos faz ter vontade de continuar a história. Por que você está gastando tempo lendo um livro? Você quer ver alguém (Protagonista) fazer algo (Objetivo). Apesar de tudo, se esse objetivo for muito fácil, a história perde a graça. É necessário que tenha alguma dificuldade para que seja interessante, e este é o Confronto, é o problema que impede o protagonista de alcançar o objetivo, é a pimenta, o tempero, o que torna sua história interessante depois da primeira página.

Por fim, toda história precisa terminar. Um escritor deve fazer duas coisas: i) começar uma história e ii) terminar a história. Terminar bem é muito difícil, e você deve Nocautear o leitor, fazê-lo sentir que a emoção, os desafios e a aventura da sua escrita valeram a pena. Um bom final ajuda uma história mediana, mas um mau final pode estragar uma jornada incrível (lembra de Game of Thrones?). Sendo assim, se você escrever uma história com o LOCK em mente, já é um grande avanço.

O livro avança em diversos problemas de roteiro que podem aparecer, e esmiúça cada um deles, com sugestões que podem ajudar o leitor a encontrar sua forma narrativa. Ele mostra apenas o caminho das pedras. Uma distinção interessante que Bell faz, e de fato muita gente faz, é entre os OP’s e os NOP’s, ou seja, os Outline Persons e os Non Outline Persons. “Outline” é um programa, você pode pensar em sua outline como uma série de cartões, cada um deles contendo um resumo de uma cena da sua história, ou pelo menos as menções de acontecimentos-chave, personagens importantes e pontos de virada. 

Existem escritores (muitos também chamam esses de “Arquitetos”) que gostam de começar a escrever já sabendo tudo que colocarão no papel. Querem escrever já tendo um grande guia, mudando muito pouco da história conforme escrevem. Stephen King é um exemplo de OP. Há outros, porém, como George Martin, que são os Jardineiros, eles apenas abrem o computador e começam a escrever o que vier na telha e esperam que isso os leve a algum lugar. Há vantagens e desvantagens em cada um dos métodos, e você muito provavelmente é uma combinação deles, do que um dos casos puros.

Conheça-te a ti mesmo, entenda como você funciona e como é seu processo de escrita ideal. Este livro é um guia para você descobrir seu jeito de escrever, inclusive contando com muitos exercícios ao final de cada capítulo, exercícios estes dedicados a fazer você se descobrir. Uma leitura rápida, mas na qual você marque os exercícios que achar mais interessantes e de fato coloque-os em prática, voltando nos capítulos como consulta, é o que recomendo para essa leitura.

Os conselhos de Bell, no geral, se voltam para um mesmo processo: 1) Tente fazer isso (sugestão de veterano para cortar caminho), 2) Caso não funcione, tente fazer esses exercícios para descobrir o porquê de esse conselho não se aplicar e 3) Faça listas de ideias alternativas, tente todas e pegue a que mais te agradar. Diria que este é um bom livro para iniciantes, uma vez que ele corta muito caminho que apenas a tentativa e erro trariam as respostas, mas também para os veteranos que querem se apropriar dos exercícios e dos jogos que ele propõe pelos capítulos.

“Conflito e Suspense”, de James Scott Bell

Mais um livro de James Scott Bell entra em nossa lista como leitura recomendada para os jovens escritores, e assim como “Roteiro e Estrutura”, temos que “Conflito e Suspense” é básico, geral e sintático. O livro também apresenta o conceito de LOCK, mas não se baseia inteiramente nele, sendo uma boa leitura para ser feita após ler o livro anterior listado nessa resenha. Nesta coletânea, Bell nos transmite sobretudo os segredos para um bom desenvolvimento da terceira letra de LOCK, enquanto analisa bons e maus usos das ferramentas de um escritor para manter o leitor interessado.

O Conflito de um livro é o mais importante para garantir que o leitor continue a virar páginas. Um bom protagonista faz quem está lendo se identificar com a história, além de “dar uma chance” maior para o livro. Um bom objetivo faz o leitor crer na importância da história e um bom final o faz ficar satisfeito, mas o que garante que o leitor continue interessado e entretido em todas as páginas é o conflito. Bell nos traz ideias antigas e novas sobre como manter esse elemento, nos ensinando a fazer cliffhangers, a guardar informação do leitor e a construir diálogos tensos.

A regra número 1 deste livro pode ser resumida como “Caso sua cena não tenha conflito, de duas uma: ou você retira completamente aquela cena, ou você insere conflito nela.”

Com conflito, Bell não está falando necessariamente de brigas ou violência. Diálogos sem graça ou sem briga, pessoas que são felizes demais, conversas sem intriga nem desavenças e cenas puramente expositivas são inimigas do conflito. É claro que para um romance de época, por exemplo, haverá cenas expositivas e introspectivas, mesmo sem conflito, mas isto é algo que um estilo muito específico pede. A literatura de entretenimento, ou literatura não acadêmica, no geral, necessita de conflito para manter os leitores assíduos. De fato, se pensarmos no mundo atual, abarrotado de telas, pop-ups, mensagens e informação chegando o tempo todo, um livro que consegue manter um ser humano desligado do mundo por meia hora seguida deve ser, no mínimo, difícil de se escrever.

Bell deixa claro, assim como em seu outro livro, que a escrita deve ser entendida como arte e como ofício que deve ser treinado. Suas dicas muitas vezes parecem óbvias, mas são muito difíceis de serem pensadas por nós sozinhos. Seu papel é o de um professor que nos ensina através de um livro, e não de uma aula expositiva. Por falar em exposições, se algo que Bell nos ensina em Conflito e Suspense é que a exposição é a pior coisa que existe.

Show, not tell” (mostre, não diga) é uma expressão queridíssima pelos escritores norte-americanos, e é a síntese de uma boa escrita expositiva. Tudo, até mesmo a apresentação de um personagem, deve ser feita com conflito, pois essa é a diferença de apenas dizer “uma mulher de vestido vermelho entrou na sala” para “o homem não ouviu o que sua esposa dizia, pois estava vidrado em uma mulher de vestido vermelho que entrava na sala”. A primeira frase é apenas uma afirmação, a segunda carrega consigo o conflito de uma possível traição. Este é um exemplo um pouco porco, pois a segunda frase ficou muito grande, mas você entendeu o que quis dizer.

O segundo pináculo do livro, suspense, é algo desentendido por nós no geral. Pensamos em suspense como um gênero literário, um livro da Agatha Christie ou de terror, mas o suspense carrega o significado de seu verbo originário, suspender, postergar. Suspense é, então, a postergação do concluir de uma cena, de um ato ou resolução a fim de incrementar a tensão da narrativa. O tipo de livro que mencionei carrega o termo “suspense”, pois sua maior característica é deixar o leitor angustiado, na necessidade de descobrir algo que só será revelado nas últimas páginas.

Você pode, porém, criar suspense onde bem desejar em sua história, e é recomendado que assim o faça. Um diálogo importante pode ser interrompido bem na hora da revelação mais aguardada, uma cena de ação pode ser terminada em aberto e o destino do protagonista ficar incerto por um ou dois capítulos. Esse tipo de suspense amplia a vontade do leitor de continuar na história e a torna de fato interessante. Não importa se seu personagem é incrível e o mundo fantástico, se a narrativa não for instigante e divertida, a menos que seja um livro acadêmico, provavelmente os leitores e os editores terminarão a leitura após o primeiro capítulo.

***

E é isto. É claro que existem diversos outros livros interessantes para conversarmos, mas estes ficam para uma parte II desse guia. Espero que essas dicas e leituras o edifiquem e que, pelo menos, tirem da sua cabeça que escrita boa é talento. É esforço! E se se esforçar, aposto que colherá os louros muito em breve.

Este guia faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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