Por Daniel Paes
Laranja Mecânica é um romance escrito por Anthony Burgess e originalmente publicado em 1962. O livro se passa em um futuro distópico onde acompanhamos o protagonista Alex, que é um delinquente que comete diversos delitos junto com sua gangue. No entanto, um de seus crimes acaba dando errado e ele é preso. O personagem é submetido a um experimento que o fará um cidadão apto para viver em sociedade. Após esse processo, Alex é solto. Toda vez que o menino pensa em cometer um ato maligno, ele começa a sentir náuseas e é incapacitado de cometer atrocidades. Portanto, o dilema apresentado pelo personagem é o de um indivíduo que é mal, mas é fisicamente incapacitado de cometer as atitudes cruéis que tanto deseja.
O tema principal do livro tem como base a discussão sobre o livre-arbítrio. Alex é um personagem que comete maldades por uma vontade própria, mas isso é tirado dele. Ele não faz mais atrocidades por causa de um experimento, mas não por uma iniciativa que parte dele. O que seria mais moral? Fazer com que uma pessoa seja boa por iniciativa própria, ou forçar alguém a ser uma pessoa correta? Esse é o questionamento principal levantado pelo romance.
O livro também levanta o questionamento sobre o papel do estado na conduta moral dos indivíduos. No enredo, vemos que o governo tem um papel ativo em lidar com delinquentes através de experimentos, mas será que essa reeducação de detentos é moral? Até que ponto o governo deve interferir nas nossas ações dentro da sociedade? A condição imposta ao protagonista é boa no sentido prático. Ele fará um mal menor para a sociedade sendo restringido, mas o problema verdadeiro não foi resolvido. Ele meramente foi forçado a ser algo que ele não é.
Através da narrativa, esses temas apresentados fluem de forma natural e fazem com que o leitor acabe sentindo um misto de sentimentos a respeito do protagonista. Apesar de ser um humano desprezível, a narrativa consegue fazer com que o leitor crie certa simpatia e até mesmo dúvida a respeito do destino que foi determinado para o personagem. Em nenhum momento torcemos para esse indivíduo, mas chegamos a pensar de forma mais profunda se aquilo que foi feito com ele é correto.
Um dos pontos negativos do livro é o seu ritmo de leitura. O autor usou como influência a língua russa e inglesa para criar um dialeto próprio utilizado no romance, que é denominado Nadsat. A inserção do Nadsat no enredo tem uma lógica. Burgess se inspirou muito no comportamento dos delinquentes presentes na Inglaterra de sua época. Ele observou nesses indivíduos a presença de um linguajar próprio utilizado pelas gangues. Apesar de ter um sentido lógico por trás, as inúmeras consultas que você terá de fazer ao glossário cansam e tornam o texto um tanto truncado. Não é muito agradável ter que parar constantemente o ritmo de sua leitura para ir até as páginas finais de um livro para entender alguma gíria usada pelos personagens.
Mesmo tornando o ritmo do texto mais lento, é possível afirmar que isso é uma barreira inicial que pode afastar muitos leitores, mas que esse obstáculo não é intransponível. O leitor provavelmente irá se acostumar com o Nadsat com o decorrer da leitura e acabará memorizando várias gírias, fazendo com que a consulta do glossário não seja necessária em diversos casos. No entanto, a experiência de leitura varia muito dependendo do indivíduo. Não é certo que essa assimilação vai ser a mesma para todos os leitores.
Independente do ritmo de leitura, o conteúdo apresentado pelo romance é cativante e provocador. A narrativa se desenvolve bem e as discussões abordadas vão fomentar em seus leitores uma reflexão profunda sobre a forma como lidamos com a hostilidade em uma sociedade. O consumo dessa obra só não é recomendável para crianças e aqueles que se consideram muito sensíveis. Existem muitas passagens extremamente violentas e pesadas dentro desse livro. O autor não poupa palavras para descrever cenas grotescas que tiram o fôlego do leitor. Por um lado, isso afasta muitas pessoas, mas por outro faz com que a obra tenha mais peso nos temas que ela aborda.
Também fica a recomendação da adaptação cinematográfica da obra de 1971. O filme é magistralmente dirigido pelo renomado Stanley Kubrick, que é considerado um dos maiores diretores de todos os tempos. O longa é muito fiel ao material original e serve como um complemento excelente do livro.