“Lar em Chamas”, Kamila Shamsie

Por Maria Clara Vassal

O livro conta a história de duas famílias que têm seus destinos cruzados e se passa, principalmente, na Inglaterra, mediante as questões sócio-políticas e com grupos terroristas do Estado Islâmico. Ambas as famílias são paquistanesas e residentes da Inglaterra, porém de ambientes e classes sociais distintas e, consequentemente, lidam de diferentes maneiras com essa relação religião-sociedade-preconceito.

As famílias em questão são formadas por: Isma, Parvaiz e Aneeka, que são irmãos que moram no subúrbio da Inglaterra, enquanto a outra é composta por Eamonn, seu pai Karamat e sua mãe, imersos na aristocracia inglesa. A primeira tenta viver de maneira mais sutil, não tentando chamar muita atenção por medo, pois o pai da família se filiou ao Estado Islâmico anos atrás, deixando uma marca negativa e sujando seu nome. Eamonn e Karamat, por outro lado, usam sua ancestralidade como benefício. Sendo Karamat um parlamentar da Inglaterra, que acumula opiniões distintas e contraditórias da comunidade islâmica residente na Inglaterra. Os caminhos dessas famílias se cruzam quando Isma, a irmã mais velha, vai estudar nos Estados Unidos e acaba fazendo amizade com Eamonn, criando assim um laço que não irá mais separar as famílias.

No desenrolar do enredo, vamos entendendo as tramas e dinâmicas familiares entre os personagens, seus segredos e verdadeiras opiniões.

De maneira instigante, o conceito do livro é trazer de forma romantizada uma questão que assola diferentes famílias ao redor do globo. Mesmo que de forma radical, o livro traz debates contemporâneos em relação à vivência de imigrantes, ou descendentes, de países vistos como “terroristas” em seus novos países e à islamofobia sofrida. Um tema extremamente atual trazido de maneira sentimental para as páginas da obra.

A autora também traz uma referência ao mito de Antígona, de Sófocles, de maneira extremamente pertinente ao contexto em que se propõe a escrever. Trazendo também o debate sobre moral-ética-sociedade-estado-autoridade. O texto é dividido pelo ponto de vista dos 5 personagens principais — Isma, Eamonn, Parvaiz, Aneeka e Karamat — em uma linha de tempo contínua, ou seja, não é uma história contada várias vezes em diferentes pontos de vista, cronologicamente o tempo vai passando e não são repetidos os personagens. A leitura é simples e descritiva, não fazendo ser uma leitura pesada e maçante, mesmo se tratando de um assunto intenso. 

O livro tem sim algumas partes mais demoradas, porém conta com várias reviravoltas inesperadas e mudanças repentinas de gênero literário… no início achei que se tratava de um romance clichê, depois já imaginava um drama familiar e ao longo do livro se mostra bem mais que isso, principalmente pela questão da narrativa ser mudada entre personagens…

Os personagens, na minha opinião, são bem desenvolvidos, embora o livro tenha recebido críticas nesse ponto, onde a concepção dos personagens foi chamada de “imatura” por um crítico. Entendemos as dinâmicas de pensamento de cada personagem na sua hora certa, pois a cada trecho vemos o ponto de vista de cada personagem da trama. Logo, existem partes em que não temos ideia dos sentimentos de outros personagens até que cheguemos ao seu capítulo e é isso que faz o livro ser tão instigante, pois a perspectiva pode ser mudada completamente de um capítulo para o outro. E foi possível me sentir imersa em cada aflição de cada personagem.  Ansiamos pela resolução (chocante mesmo) das últimas páginas. Terminei o livro de boca aberta, sem acreditar nas últimas frases que li. 

Em suma, posso dizer que, depois de alguns meses parada, foi um ótimo livro para retomar meu hábito de leitura e que vale a pena, sim, ser lido. Não só pela atualidade do tema, mas para nos inserirmos em um contexto distinto, compartilhando sensações, medos e felicidades com os personagens do livro.

Nunca havia lido um livro com essa estruturação de narrativas com diferentes personagens, logo, tornou a leitura ainda mais interessante.

Mas, acima de tudo, recomendo a leitura pela temática que sai do óbvio, nos colocando em uma imersão de uma nova perspectiva de mundo, de problemas e soluções (ou não soluções).

E que, mesmo sendo uma ficção, é uma realidade de muitas famílias que às vezes nem passam na nossa cabeça. 

Classificação: 4.5

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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