“Flores para Algernon”, Daniel Keyes

Por Edgard Cabral

O livro é narrado por relatórios de progresso, que funcionam como uma espécie de diário através do qual tomamos conhecimento da história. Já no primeiro relatório descobrimos que a sua escrita deve-se ao pedido de um médico para seu paciente, de que registre seus pensamentos, e percebemos o quão o paciente que escreve o faz de forma bastante equivocada, contendo diversos erros ortográficos. Trata-se de Charlie Gordon, um homem de 32 anos de idade, funcionário de uma padaria, e que participa do experimento ao qual está submetido por recomendação de uma professora, com a intenção de tornar-se mais inteligente. Logo descobrimos que se trata de um homem com deficiência intelectual.

Charlie descreve em seus relatórios os testes aos quais é submetido no processo do qual está participando e lemos a história a partir de suas palavras, narradas, obviamente, a partir de seu ponto de vista sobre o que está acontecendo, com uma visão inicialmente um tanto quanto pueril a respeito dos acontecimentos e com erros de português em grande quantidade. Então, os profissionais envolvidos conseguem entrar em contato com sua família e é autorizado que Charlie passe por uma operação que faria parte desse programa do qual é cobaia.

A operação teria como objetivo a ampliação da inteligência, e Charlie seria, então, o primeiro ser humano submetido a uma ampliação de sua inteligência por meios cirúrgicos. Ele fora escolhido para o processo devido à sua motivação, o seu grande desejo em aprender. Charlie diz querer ficar inteligente como as outras pessoas para que tenha amigos que gostem dele, ele acredita que quando se é inteligente se tem muitos amigos com quem conversar e não se fica solitário. Os trechos em que Charlie relata esse tipo de coisa deixam evidente o quanto ele se sente sozinho.

A operação pela qual Charlie passa é a mesma pela qual havia passado Algernon, um rato com o qual Charlie disputava em testes, e com o qual ficava se comparando. Não entendia porque não ficou automaticamente inteligente logo após a cirurgia, mas lhe fora recomendado paciência, que assim como Algernon tivera o seu desenvolvimento aos poucos, o mesmo se daria com ele, que com o decorrer do tempo perceberia o resultado pós-cirúrgico.

Charlie então prossegue com sua rotina de trabalho na padaria normalmente, e suas relações no trabalho nos são descritas por ele em seus relatórios, no que percebemos o quanto ele é desrespeitado e humilhado no trabalho, por mais que ele pense, por muitas vezes, que as pessoas são suas amigas, como quando elas riem dele e ele ri junto, sem saber ser o motivo, ou como utilizam do seu nome como forma de ofensa aos demais.

Os cientistas que acompanham Charlie percebem sua evolução e o emprestaram um equipamento que estimula seu cérebro durante o sono através do som, sua memória é estimulada, e ele começa a ser acompanhado também em processo terapêutico. Charlie também começou a ler e receber aulas particulares com a sua antiga professora, que o fez se atentar para a ortografia das palavras. A partir do relatório de progresso número 9, do dia primeiro de abril, então, a mudança na escrita de Charlie é evidente e surpreendente, no que ele já apresenta um texto em que muitas palavras estão escritas de forma correta, um avanço muito grande comparado aos textos anteriores. Logo, percebem também seu avanço no trabalho, e ele recebe uma promoção.

Charlie avança cada vez mais em seu aprendizado; cria o hábito de consultar o dicionário e aprende a pontuação. Ele é capaz de perceber claramente a diferença entre seus escritos atuais e os antigos, e deseja até corrigi-los, no que é impedido. A essa altura já não compete mais com o rato Algernon, pois há tempos que ganha sucessivamente dele, sem a menor dificuldade. O avanço de Charlie não é apenas notável, como verdadeiramente surpreendente, e em bastante curto espaço de tempo.

Ele começa, inclusive, a perceber que quem ele acreditava serem seus amigos, na verdade apenas zombavam dele, e teve lembrança de situações parecidas no passado. Ele estava interpretando melhor o que acontecia no mundo ao seu redor e percebendo os sentimentos que geravam nele a partir do que lhe ocorria. Assim prosseguem os relatórios, com as anotações de Charlie sobre suas memórias e como ele se sente ao revisitá-las agora em que as interpreta de uma maneira menos pueril. É muito emocionante acompanhar todo o processo, desde a inocência de Charlie até sua descoberta das maldades que sofria. O livro é cativante e comovente, não dando vontade de parar de ler, mas querendo acompanhar sem parar cada avanço de Charlie, no que ficamos na torcida por ele e sofremos por ele, pois o desenvolvimento do intelecto vem acompanhado de muitos percalços emocionais.

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