Por Vitor da Hora
A Hora da Estrela é um romance da escritora Clarice Lispector, publicado primeiramente em 1977, meses antes de sua morte, aos 56 anos, por câncer de ovário. A obra recebeu um Prêmio Jabuti póstumo em 1978, na categoria de romance, e é um dos livros mais célebres da autora, sendo considerado um clássico da literatura nacional. Dispensando apresentações, Clarice é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea: filha de imigrantes russos de origem judaica e nascida na Ucrânia em 1920, a autora naturalizou-se brasileira e se considerava pernambucana. Ao longo de seus anos de formação viveu em Recife, Maceió e no Rio de Janeiro – onde ingressou no curso de Direito na Universidade do Brasil em 1939, aos 19 anos. Antes de dedicar-se à literatura, atuou como jornalista, e foi casada por 16 anos (1943-1959) com o diplomata Maury Gurgel Valente – por conta da profissão do marido, vivia se mudando e residiu em vários países. Além de A Hora da Estrela, que foi adaptado para o cinema em um aclamado longa-metragem homônimo (1985), outras publicações célebres da autora incluem títulos como seu primeiro romance Perto do Coração Selvagem (1943), A Paixão Segundo G.H. (1964) e a coletânea de contos Laços de Família (1960). Pesquisadores literários costumam enquadrar a produção literária de Clarice dentro da Terceira Geração (pós 1945) do Modernismo.
O romance narra a história de Macabéa, uma jovem alagoana que vive na cidade do Rio de Janeiro e, mesmo sendo semi-alfabetizada, consegue um emprego de datilógrafa – no qual se mantém apenas por que seu chefe tem pena de mandá-la embora. Durante a infância, Macabéa ficou órfã cedo e foi criada por uma tia severa e rígida, e por conta de sua formação fortemente religiosa manteve-se virgem e encara como tabu questões referentes à sexualidade. A protagonista desde criança esteve em contato direto com a pobreza, sendo subnutrida – se alimenta apenas de cachorro-quente e coca-cola – e de pouca higiene. Ao longo do enredo, desenvolve uma frágil amizade com uma colega do trabalho, chamada
Glória, e se envolve em um atípico e abusivo namoro com o também nordestino Olímpico, figura ambiciosa e inescrupulosa – termina sofrendo com traições de ambos. O enredo finaliza-se após uma visita de Macabéa a uma cartomante, Madame Carlota, indicada por Glória – palco da reviravolta final da trama. O livro é narrado pelo personagem Rodrigo S.M., um escritor fictício que acompanha Macabéa e propõe reflexões sobre a dramática situação de vida da personagem.
Em sua famosa entrevista ao programa Panorama da TV Cultura, Clarice, que ainda estava escrevendo o livro, destaca que o romance é sobre a “inocência perdida” da protagonista; e cita como inspirações para a história seus anos de formação em Recife e uma visita à Feira de São Cristóvão na capital fluminense, onde pode entrar em contato com migrantes nordestinos de baixa renda. Mesmo tendo crescido em uma família de classe média na capital pernambucana e continuado a ascender socialmente ao longo de sua vida, a interpretação de Clarice sobre este episódio na Feira de São Cristóvão mostra um olhar atento e preocupado da escritora às mazelas sociais resultadas das discrepâncias regionais entre o Norte-Nordeste e o eixo Centro-Sul do país, preocupação que se manifesta ao longo do livro. Entre os motivos que fazem do livro um dos grandes clássicos da literatura nacional contemporânea estão: as questões sociais já citadas abordadas pela trama e detalhada construção psicológica da protagonista, construída pela autora. Sobre a escrita de Clarice, o historiador e crítico literário Alfredo Bosi aponta a predileção da autora em trabalhar com romances de tensão desfigurada, nos quais o protagonista busca ultrapassar o conflito que o constitui existencialmente pela transmutação mítica ou metafísica da realidade, portanto a resolução do conflito aproxima o romance à características da poesia e da tragédia – algo muito bem exemplificado com o desfecho trágico de A Hora da Estrela.