Por Rafael Scolarique
Olá, meu nome é Rafael Scolarique e faço parte do Projeto de Extensão Torre de Babel, da Biblioteca de Letras da UFRJ. Sou aluno da ECO (Escola de Comunicação da UFRJ) e estou no oitavo período do curso.
O livro que venho falar e indicar hoje é “A Garota Dinamarquesa” do escritor David Ebershoff, cuja primeira publicação foi no ano 2000. A história ficou mais famosa recentemente em razão de sua adaptação para o cinema, na qual obtive o primeiro contato com a trama e o que me despertou o interesse de buscar a obra escrita. O livro retrata uma história fictícia baseada em um caso real, o que é um dos meus gêneros literários e de cinema favoritos, e o que aumentou meu interesse acerca da leitura do mesmo.
A obra conta a história de Lili Elbe, que nasceu na cidade de Vejle, na Dinamarca, em 1882. Lili Elbe é a primeira transsexual que realizou uma cirurgia de readequação sexual na história. Na juventude, Lili partiu para Copenhague, a principal cidade e a capital do país, para frequentar a Real Academia de Belas Artes da Dinamarca. Na cidade, ainda como Einar, ela cruzou o caminho de Gerda Wegener, uma moça da mesma idade que mais tarde se tornaria sua esposa em 1904, quando ambas tinham 22 anos.
O livro retrata a vida de Lili momentos antes de sua descoberta, seu processo de entendimento, aceitação e determinação final em passar pelo processo de transição de gênero. As pesquisas eram iniciais sobre o tema tendo sido desenvolvidas no Instituto de Sexologia fundado em Berlim em 1919. A história traz todo um contexto real sobre as estruturas da época. O Instituto de Sexologia foi pioneiro nos estudos de gênero e serviu futuramente de base para a organização política, produzindo um legado indiscutível para o entendimento do corpo e desmistificação de narrativas discriminatórias que resultavam e ainda resultam em violência em todo mundo.
Este prédio serviu como um verdadeiro arsenal de conhecimento no tema, recebia 20 mil pessoas por ano de toda a Europa, em maioria visitantes e clientes LGBTQ+, e serviu como um grande centro de informação acerca da comunidade, doenças sexuais e acolhimento, tudo sem fins lucrativos. Com a ascensão nazista, sua biblioteca foi queimada, o local fechado e muito conhecimento perdido. O contexto da instituição não faz parte da história com tanta profundidade, porém, para mim, esta é uma das belezas de uma história baseada em fatos, pois nos possibilita conhecer uma parte da história que nos foi roubada e merece todo tipo de reconhecimento e memória.
O livro é sobre a vida de Lili e o autor trata de maneira bem sensível e delicada todos os momentos desse processo, dos mais naturais aos mais cruéis. O processo de transição de gênero por si só tem inúmeras complexidades, porém o acréscimo do peso do período histórico em que se passa a história faz toda a diferença para a trama, tamanho o legado e a precedência que a primeira realização dessa cirurgia causaria.
A ambientação da história é muito bem feita, nos fazendo viajar pela Europa do século XIX e XX, pela elegância de que classes mais favorecidas usufruíam e na cultura explorada da época, ao mesmo tempo que nos deparamos com problemas e tabus sociais que hoje tratamos com muito mais naturalidade.
Para mim, o mais interessante na obra, que traz um contexto de beleza genuína e gera um clima artístico forte, é o fato de as duas personagens principais, Lili e Gerda, serem artistas plásticas em atuação, fazendo de sua casa um verdadeiro ateliê de pintura que serve como um forte recurso de imersão imagética nas narrativas, além de excelentes ambientações para os diálogos.
Por fim, a obra tem momentos fortes de demonstração de felicidade, amor, cumplicidade e amizade incondicional, sentimentos que nos fazem ir contra o mundo para amar e proteger quem amamos, assim como retrata muita dor, aflição, medo sobre si, medo da sociedade e as dificuldades que pessoas reais passaram em tempos em que as coisas eram mais complexas. Por isso, indico esta obra que conta a história de uma mulher extremamente forte, que abriu caminho para a felicidade plena de mulheres no mundo inteiro até os dias atuais.
BIBLIOGRAFIA
GONÇALVEZ, Maria Eugênia. A verdadeira Garota Dinamarquesa: conheça a história de Lili Elbe. Revista Híbrida, 2021. Disponível em: https://revistahibrida.com.br/historia-queer/a-verdadeira-garota-dinamarquesa-conheca-a-historia-de-lili-elbe/.
VALENTE, Anghel. O pioneirismo LGBT do Instituto de Sexologia em plena Alemanha nazista. Revista Híbrida, 2019. Disponível em: https://revistahibrida.com.br/historia-queer/o-pioneirismo-lgbt-do-instituto-de-sexologia-em-plena-alemanha-nazista/.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)